MAQUINAÇÕES. É possível que exista uma «maquinação» contra a Igreja Católica usando a pedofilia como pretexto, como desconfia o cardeal Saraiva Martins, mas se vamos por aí também é provável que a Igreja Católica esteja a usar a teoria da «maquinação» como manobra de diversão. A pedofilia na Igreja Católica é infinitamente mais grave que a «maquinação», real ou imaginária, de que a Igreja Católica possa estar a ser vítima, como diariamente se constata. Esconder a realidade, além de obsceno, é contraproducente, e dizer-se que se pretende transformar «uma culpa pessoal em culpa colectiva» é pura demagogia. Pior: comparar os ataques à Igreja Católica como o pior do anti-semitismo, como fez um padre italiano num sermão proferido diante Bento XVI, é um insulto aos judeus, e até mesmo quem está pouco informado sobre o assunto sabe bem que as duas coisas não são comparáveis. Ainda mais: o autor da grosseria não é um padre qualquer, mas o autor de inúmeras obras de carácter teológico, e o «pregador pessoal» de Bento XVI. Com certeza que a pedofilia não é um exclusivo da Igreja Católica, e está por demonstrar que a a Igreja Católica alberga mais casos de pedofilia que outra agremiação do género. Seguramente que os pecados do Islão (ou cometidos em nome do Islão) não merecem um décimo do escrutínio que merecem os pecados da Igreja Católica, e só para falar num caso flagrante. Mas não é relativizando a pedofilia na Igreja Católica que ela se torna menos grave, não é escondendo os casos que vão surgindo que eles deixam de se ver, não é assobiando para o lado que o problema se resolve. Encarar a pedofilia na Igreja Católica como um problema «típico das famílias» que no recato das famílias deve ser resolvido, como também defende Saraiva Martins, é demasiado chocante para ser verdade. Mais sensatos foram os cardeais Policarpo e Torgal Ferreira, o primeiro ao dizer que «os pecados da Igreja (...) indignam o mundo e ofuscam a imagem do reino de Deus», e o segundo ao acusar a hierarquia da Igreja Católica de ocultar o problema para salvar a imagem. E se há coisa de que a Igreja Católica anda muito necessitada é de sensatez. [Originalmente publicado em 6-4-2010]