PORNOGRAFIA I. Além de um atentado à liberdade de expressão de fazer lembrar os piores tempos de antigamente, como foi dito e repetido pelos «guardiões do regime» e me pareceu uma comparação obscena, quatro juristas garantiram, ao Público, que a apreensão de meia dúzia de livros que na capa contêm a reprodução de uma obra de Courbet representou «uma falha monumental» da PSP «no campo da cultura», e um episódio que, segundo eles, «identifica o baixo nível cultural» da dita. Também o deputado António Filipe, do PC, não teve dúvidas de que o episódio de Braga foi ridículo «do ponto de vista cultural», por ser tratar, segundo ele, «de um quadro mundialmente célebre», como tal conhecido do Minho ao Algarve. Ora, eu gostaria de dizer, sobre isto, duas coisas. Distinguiriam os ilustres juristas e o sr. deputado A Origem do Mundo da mais corriqueira pornografia caso não fosse tanto alarido? Com vossas licenças, duvido. Depois, qual é a diferença entre A Origem e o que vulgarmente se designa por pornografia? Como os srs. juristas e o ilustre deputado muito bem sabem, bater na PSP é barato e tem sucesso garantido, mas as razões não me convencem. Dizer que foi um atentado à liberdade de expressão o episódio de Braga é um exagero, mas ainda vá. Já aproveitar a ocasião para tecer considerações de índole artístico-cultural, acusando os agentes da polícia de ignorantes para cima por não conhecerem o artista e as suas obras, é um manifesto exagero — além de ser duvidoso que os cavalheiros tenham, sobre a matéria, autoridade para chamar ignorante a quem quer que seja. Descontando os lugares-comuns e a sobranceria com que os proferiram, por si só indicadores de parcos conhecimentos sobre o assunto, não disseram nada que um agente da PSP mais expedito não fosse capaz de dizer. [Originalmente publicado em 11-3-2009]