PAPAGAIOS. Qualquer pedante com pretensões de passar por culto sabe de ciência certa que ler é importante, ouvir música erudita essencial, e que a pintura devia fazer parte da formação de qualquer um. Não sabe muito mais do que isto, mas sabe isto, que em lugares-comuns ninguém o supera. É vê-lo como exibe a «erudição» sempre que, para aflição dele e desgraça de quem o ouve, as circunstâncias o obrigam a elogiar um livro ou escritor, a frequentar um concerto ou exposição — pois é fundamental demonstrar que se interessa pelas «coisas do espírito». Se o escritor estiver coberto por sete palmos de terra, elogia-lhe a obra (que nunca leu), e, se for preciso, visita-lhe a campa; se o compositor for contemporâneo, desdenha-lhe da obra (que nunca ouviu), e, se for preciso, enterra-o vivo. A não ser, claro, que a vítima se apresente recomendada «pelas melhores famílias». Nesse caso, muda de posição enquanto o diabo esfrega um olho, e sem a mais leve resistência. Reparem que falo de posição, não de opinião. É que mudar de opinião implica tê-la, e o sujeito não se distingue por ter opiniões, muito menos opiniões extraídas da sua própria cabeça. Antes pelo contrário. O pedante distingue-se por «pensar» o que pensa quem conta, o que mandam as circunstâncias, o que é politicamente correcto pensar-se. Infelizmente, sei, por experiência própria, do que falo, embora preferisse gabar-me de não saber. Perguntar-me-ão o que é, afinal, um pedante. Segundo o dicionário, um pedante é um pretensioso, um afectado, um impostor, um sujeito que faz ostentação de conhecimentos que não tem. Um pedante, acrescento eu, é um personagem que vive da fachada e para a fachada, uma espécie de lojista que investe tudo na montra e descura o armazém, uma criatura que passa a vida a pôr-se em bicos de pés de forma a mostrar a altura que, obviamente, não tem. Um pedante é um papagaio quase tão bom a imitar como o verdadeiro papagaio, que o verdadeiro papagaio me desculpe a comparação. [Originalmente publicado em 11-12-2008]