BALELAS SARAMAGUIANAS. Não sei se a Bíblia é um «manual de maus costumes e um catálogo do pior da natureza humana», como diz Saramago, e se Caim poderá «incomodar os judeus», como suspeita ou deseja. Duma coisa, porém, não duvido: Saramago é melhor na promoção dos seus livros que a escrevê-los, coisa, aliás, que não é difícil. Para não variar, a Igreja Católica voltou a cair na esparrela. Saramago «revela uma ingenuidade confrangedora quando faz incursões bíblicas» e «deveria informar-se antes de escrever», disse o bispo do Porto. Anselmo Borges acha que Saramago fez uma leitura «completamente unilateral» da Bíblia, o porta-voz da Conferência Episcopal disse que «um escritor da craveira de José Saramago deveria ir por um caminho mais sério», e o director da Faculdade de Teologia da Católica esperava que o escritor reconhecesse «o valor de obras que estão entre os grandes textos do património literário da humanidade». Também os judeus não resistiram. Saramago «não conhece a Bíblia nem a sua exegese», disse o rabino Eliezer di Martino. Dezoito anos após a polémica causada pel’O Evangelho segundo Jesus Cristo, eis mais um escândalo saramaguiano para animar as vendas, como sempre com a contribuição de uns quantos que melhor fariam estar calados. Por mim, se os primeiros parágrafos de Caim estiverem tão mal escritos como os primeiros parágrafos d’O Evangelho ou d’A Viagem do Elefante, o lançamento do livro não chega a ser notícia, muito menos motivo de controvérsia. Notícia seria se Saramago tivesse publicado um livro escrito de forma escorreita, mas isso seria pedir demasiado. [Originalmente publicado em 21-10-2009]