VACAS SAGRADAS. Tal como julgo suceder à maioria dos portugueses, sobretudo à maioria dos portugueses com hábitos de consumo dos chamados bens culturais, os subsídios estatais ou municipais às actividades culturais causam-me sentimentos contraditórios — e deixam-me muitas dúvidas. Por que razão há-de uma companhia de teatro receber dinheiros públicos se ninguém vê o que ela produz? Por que razão há-de um filme ser feito à custa de todos nós se tem bilheteira e, por isso, receita? Eis o que me custa entender. Pior: por que razão hão-de ser os poderes central e local a determinar (dando, ou não, subsídio) o que é bom e o que não é? Que competência têm os poderes central e local para decidirem em matéria de gosto? Tirando o património (monumentos, museus, etc.) e a língua portuguesa, tenho dúvidas que deve ser o Governo ou as autarquias a pagar as actividades culturais. Dir-me-ão que algumas actividades não existiriam caso não fossem os dinheiros públicos, facto para o qual não tenho — nem conheço — resposta cabal. Contraporei, contudo, que há actividades que não se perdia nada que desaparecessem caso o Estado deixasse de as pagar — além de que se presta a chantagens e a equívocos a ideia de que deve ser o Estado a dar de comer aos artistas. Perguntar-me-ão qual é, então, a solução. Responderei que não sei. Aliás, já vi quem levantasse as mesmas dúvidas, mas ainda não vi quem apontasse uma solução. Sei, no entanto, que qualquer tentativa de discutir o assunto é abortada logo à nascença, geralmente por quem vive à custa do «sistema», que naturalmente não está interessado em abrir mão da mesada ou dos privilégios. E é pena, porque o assunto devia ser discutido sem preconceitos nem tabus, até porque não há vacas sagradas. [Originalmente publicado em 19-6-2007]