O FADO. Confesso que sou um amante de música, mas não um amante de fado. Quaisquer dois ou três fados seguidos, mesmo os que dizem ser os melhores, chegam e sobram para as necessidades. Se for fado de Coimbra, ainda vá que não vá. Se for fado de Lisboa, um quase sempre é demais. Mas o que me custa mesmo a engolir são os que pensam que são precisos especiais conhecimentos (ou será um dom?) para se apreciar o fado, como se o fado exigisse especiais conhecimentos para ser apreciado. Ora, é preciso que se diga que o fado não é grande coisa em termos musicais. O fado não é só voz ou poema, como às vezes nos tentam fazer crer. Antes de mais, o fado é música — e como tal deve ser tratado, entendido, apreciado. Eu sei que um bom poema e uma boa voz fazem toda a diferença, mas nem por isso o fado deixa de ser pobre musicalmente — além de repetitivo, óbvio, previsível. A letra e a voz mudam, mas não muito. A música, nunca. Ouvem-se dois ou três fados e fica-se com a sensação de que se esteve a ouvir sempre a mesma música. Isto para já não falar dos maneirismos que rodeiam a interpretação, que os amantes do fado apreciam e eu embirro particularmente. Depois, os intérpretes também não ajudam. Porque será que os fadistas têm tanta relutância em assumir-se como tal? O que distingue um fadista de outro intérprete qualquer? Mistérios que me cheiram a pretensiosismo — ou mesmo a superioridade. Ora, a vida ensina-nos que os melhores são humildes, seja na música ou na vida. Naturalmente que há excepções, mas não é de excepções que reza a história. [Originalmente publicado em 19-1-2004]