SADDAM. Não será preciso ser perito em guerra — ou ter andado nela — para perceber uma coisa elementar: as circunstâncias em que Saddam Hussein foi capturado pelas tropas da coligação podiam muito bem ter resultado na morte do ditador, pois ele era um homem perigoso e encontrava-se armado. Os captores podiam muito bem tê-lo matado e alegar que o ditador resistiu à prisão — ou justificar a morte do ditador como um mero acidente. Se assim fosse, dois dias de discussão sobre as circunstâncias que rodearam a operação militar e assunto arrumado. Mas nada disto aconteceu. Saddam Hussein foi preso e, agora, vai ser julgado. Perante isto, no dia seguinte à captura choveram vozes a dizer que a prisão de Saddam foi «humilhante» e «desumana». Agora, que uma resma de advogados se prepara para o defender, alega-se que e que. Ora, tendo em conta que Saddam Hussein foi um ditador particularmente repugnante, não deixa de ser comovente assistir a tanta «preocupação». Hipocrisia pura e simples? De maneira nenhuma. Defender o homem que não hesitou em eliminar milhares dos seus concidadãos é uma forma de ser contra a América, e contra a América vale tudo: hoje é o terrorismo, ontem foi o comunismo, amanhã sabe-se lá o que será. De facto, esta gente tem-se esmerado em fazer passar a ideia — e, até ver, com um sucesso notável — de que é mais perigosa a América que o fundamentalismo islâmico. Pior: esta gente está convencida de que a América e Israel são os responsáveis pelo fundamentalismo islâmico, como se o fundamentalismo islâmico já não tivesse dito e repetido, de forma clara e inequívoca, qual é o inimigo do Islão. Escusado será dizer que o «equívoco» vai sair caro. Aliás, já está a sair caro. Chamem-me papagaio da administração Bush, seguidista, o que quiserem, que não será por isso que as coisas deixam de ser o que são. Infelizmente. [Originalmente publicado em 24-5-2004]