O MEDO. Uma sondagem divulgada esta semana indica que 90% da população holandesa quer ver reforçada a luta contra o terrorismo, mesmo à custa das liberdades individuais. Mais: 40% dos holandeses veriam com muito bons olhos que os muçulmanos (os muçulmanos, repare-se, não os fundamentalistas islâmicos) fossem expulsos do país. Tudo isso por causa do assassinato de um cineasta por um fundamentalista islâmico, que já provocou uma onda de violência cujas consequências ainda é cedo para avaliar. E porque a Europa continua a ignorar o fundamentalismo islâmico no seu território, apesar de os fundamentalistas não se inibirem de dizer que, se pudessem, trocariam a lei dos países onde vivem pela lei islâmica, obviamente de forma violenta. Como julgo ser claro, os resultados da sondagem demonstram que as pessoas têm medo, o mesmo medo que terá levado os americanos a preferir Bush em vez de Kerry — para usar o argumento mais comum dos que procuraram explicar a vitória do presidente Bush com o factor medo e que é, em parte, verdade. Evidentemente que não é agradável viver num clima de medo, e menos ainda quando se sabe que o medo pode levar a que se cometam abusos. Mas não basta dizer que não há razões para se ter medo para deixar de o ter. Bem pelo contrário: é preciso que se faça alguma coisa, e que se apresentem resultados. É bom não esquecer que, além de outras razões, o 11 de Setembro resultou do desleixo, e que os americanos acordaram para o pesadelo islâmico ao cabo de três mil mortos — tal como, agora, os holandeses acordaram para o pesadelo islâmico após a morte de Theo van Gogh e a violência que daí resultou. Por outras palavras, seria bom que isto servisse de lição aos que estão convencidos de que o fundamentalismo islâmico se resume a casos isolados, como se o fundamentalismo islâmico já não tivesse dado mostras de que não se limita a casos isolados e que é demasiado perigoso para que fiquemos de braços cruzados. Contrariamente ao que dizem alguns iluminados, não foi o presidente Bush que convenceu os americanos a ter medo. O que convenceu os americanos a ter medo foram os factos. Tal como, agora, os holandeses. [Originalmente publicado em 14-11-2004]