O PROGRESSO. Duas notícias publicadas recentemente pelo Semanário Transmontano vieram lembrar-nos as misérias do nosso poder local. A primeira dá-nos conta que o candidato do PP à Câmara de Murça anunciou que está na corrida à autarquia essencialmente por razões «de ordem moral, social e económica». Na ordem moral, o ex-sacerdote diz que, se for eleito, pretende devolver o velho crucifixo às escolas e obrigar os filhos a pedir a bênção aos pais, como se fazia antigamente. Na ordem social, o candidato afirma que pretende ganhar dinheiro. Assim mesmo: ganhar dinheiro. E, honra lhe seja feita, fez questão de deixar claro que não está a brincar. Na ordem económica, a criatura diz que pretende instalar no concelho uma fábrica de não sei quê que esteve para ser montada não sei onde. A troco de uma comissão, evidentemente, que ele está na política para ganhar o dele. A segunda notícia do Transmontano dá-nos conta de uma saibreira a funcionar numa reserva ecológica, ou seja, numa área onde este tipo de práticas devia ser impensável. E com uma pequena particularidade: é explorada por uma Câmara Municipal (de Chaves) e por diversas Juntas de Freguesia. Levantada a questão, as Juntas admitem o atropelo à lei e «compreendem» o problema, mas lembram que o saibro dali é de grande qualidade. Além disso, recordam, há que «compor caminhos e rasgar novos estradões». A autarquia local finge que não sabe de nada. Por junto, o seu presidente diz que a Câmara se limita a emprestar as máquinas às Juntas de Freguesia e que estas sabem muito bem o que andam a fazer. Aliás, se dúvidas houvesse que as Juntas sabem muito bem o que andam a fazer, o presidente apressou-se a garantir que, no lugar delas, faria na mesma. Evidentemente que tudo isto para bem das freguesias e, presume-se, do respectivo progresso. Aliás, deve ser por isso que as entidades responsáveis pela vigilância da área não sabem de nada, apesar de a saibreira ser visível a quilómetros de distância. Compreende-se. Lutar contra o «progresso» não compensa e tem inconvenientes. Excepções, estes senhores? Podem ser. Se virmos bem, a regra é capaz de ser pior. [Originalmente publicado em 27-11-2001]