PRODUTORES DE CONTEÚDO. Poucos dias após um jornalista ter sido morto a tiro e outro agredido, ambos em Moçambique e por «falarem demais», o doutor Balsemão veio defender, no Público, «a necessidade de haver concentração da propriedade dos media em Portugal». «Existem grupos a mais» no mercado português dos media, disse ele. A declaração de Balsemão surgiu poucos dias após ser conhecido o controlo da Lusomundo por parte da Portugal Telecom, passando a empresa controlada pelo Estado a deter, entre outros, o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24Horas, Tal & Qual, Grande Reportagem e TSF. Dois dias antes da declaração de Balsemão, Vicente Jorge Silva, no Diário de Notícias, disse o seguinte: «A uniformização e estandardização dos 'conteúdos' (...) tenderá a esvaziar os produtos jornalísticos da sua componente informativa, convertendo-os em meras mercadorias para clientelas cada vez mais segmentadas». Disse mais o colunista do DN: «Os jornalistas cederão o lugar a formatadores de receitas, agentes de marketing, publicitários e psicólogos de bazar». Vicente Jorge Silva só não disse, pelo menos directamente, que a concentração da propriedade dos media em meia dúzia de mãos é a nova forma de matar o jornalismo e, por consequência, os jornalistas. Exagero? Não, não é. A concentração dos media tende a acabar com a diversificação dos conteúdos informativos, já que, em nome do «aproveitamento das sinergias», o mesmo jornalista passa a distribuir a mesmíssima informação para diferentes publicações. Deve ser por isso, aliás, que hoje se fala cada vez menos em jornalismo e cada vez mais em «produção de conteúdos», evidentemente que muitíssimo mais abrangente e onde cabe tudo. De facto, é cada vez mais evidente que nem «tudo vai pelo melhor» no jornalismo europeu, como diz J. M. Nobre Correia («Medianapolis» de 8 de Dezembro). E não só no jornalismo europeu, como se calcula. Diz Nobre Correia que existe «confusão» entre «informação e promoção comercial» devido a «complacência com acções desencadeadas por agências de promoção e eventos em prol de um ou outro grupo de negócios». E cita exemplos de jornais belgas para fundamentar a sua tese, que terão brindado os seus leitores com assuntos de primeira página «dificilmente concebíveis há poucos anos atrás». Referia-se ele a campanhas publicitárias de uma cadeia de armazéns e de uma consola de jogos, ao lançamento do último disco de um cantor e ao último filme da Disney. Tudo assuntos que mereceram primeira página e, segundo ele, mais ou menos disfarçados de notícia. Ora aqui está um bom exemplo dos tais «agentes de marketing» e «publicitários» de que fala Vicente Jorge Silva, sem dúvida resultante da concentração da propriedade dos media em dois ou três grupos económicos que são, quase sempre, detentores de interesses noutras áreas de negócio que não os media. [Originalmente publicado em 26-12-2000]