PIRIQUITOS. O cineasta João César Monteiro pariu mais um filme genial. O mais genial de todos, há quem sustente. Dizem que é um filme negro e, pelos vistos, de que maneira. A polémica instalou-se ainda antes da estreia, por causa dos custos de produção e da fita propriamente dita. Sobre o filme, Manuel de Oliveira disse ao Público que é o melhor trabalho do realizador. João Bénard da Costa, também ao Público, disse que gostou muito. Sobre os custos, o produtor disse estar disponível para devolver parte da massa, e o realizador, acusado de ter roubado dinheiro ao Estado, diz que passou «a ser respeitado por isso». Muito bem. Devo dizer que ainda não tive oportunidade de ver qualquer filme de João César Monteiro, um só que fosse. Mas devo dizer também que simpatizo com o homem. Pela coragem, pela frontalidade e, sobretudo, por ser ele próprio, tudo qualidades (ou defeitos) que incomodam muita gente. Por não ser um homem normal (ou «normalizado»), por não praticar a hipocrisia e por se estar a borrifar para os poderes. Todos os poderes. E não me venham falar nos milhares de contos que o homem (ou alguém por ele) terá recebido a mais pelo filme. Se a discussão vai por aqui, porque não se questionam também os milhares gastos por outros realizadores, para já não falar do teatro? E muito menos me venham dizer que o filme de César Monteiro é «um caso de polícia» só porque o projecto inicial não corresponde à «vergonha final», como disse o senhor Horácio Piriquito no Diário Digital. E os outros realizadores, senhor Piriquito? Será que, nesta matéria, César Monteiro é um caso isolado? É claro que eu compreendo as suas críticas, já que o senhor diz preferir o «Big Brother» porque este «arrisca no mercado». Além disso, o senhor acha que o filme «vai muito para além do que seria aceitável por mais presunçosas que sejam as ambições intelectualóides de cada um» e que «não tem ponta por onde se lhe pegue», embora não arrisque o mais pequeno raciocínio para defender a sua tese. Percebo, senhor Piriquito. Arriscar a estatelar-se ao comprido? Livra! Diz ainda que «as finanças públicas em Portugal nunca sofreram um golpe tão vergonhoso» e que César Monteiro deveria ser internado no Hospital Júlio de Matos. Ou seja, oscila entre a piada grosseira e a ordinarice pura. E acha-se no direito de dar uma lição de moral: «tendo em conta os bons costumes, é um filme ofensivo para o normal consumidor de cinema». Bonito, senhor Piriquito. Devo dizer-lhe que é por causa de pessoas como o senhor que eu gosto do César Monteiro. [Originalmente publicado em 20-11-2000]