OS DONOS DA BOLA. Sempre defendi que os árbitros de futebol são pessoas de bem e que não se pode confundir erros humanos com arranjinhos ou negociatas. Sempre defendi que os casos provados ou suspeitos de corrupção são excepções e não a regra, pelo que é injusto falar de corrupção na arbitragem sempre que um árbitro comete um erro ou toma uma decisão mais polémica. É preciso não esquecer que os árbitros têm que tomar decisões em segundos, por vezes cruciais, e que eles não têm acesso aos meios sofisticados que milhões de espectadores têm praticamente na hora. É preciso não esquecer que há decisões que, mesmo vistas e revistas nas televisões, nunca serão pacíficas e continuarão a deixar dúvidas para sempre. É preciso não esquecer que eles são ajuizados por milhares de adeptos que teimam em ver o que lhes convém e em não ver o que não lhes interessa. Mas dizia eu que sempre defendi que os árbitros não são, por regra, corruptos, e que os erros cometidos não passam disso mesmo: erros, por mais graves que sejam e por mais consequências que daí resultem. Dizia eu que sempre defendi mas hoje já não defendo. Não que eu tenha passado a achar que os árbitros são todos corruptos, mas onde ontem se via uma excepção vê-se hoje a regra. Veja-se o que disse Jorge Coroado, seguramente um dos árbitros portugueses mais respeitados: «Não ponho as mãos no fogo por eles [árbitros] porque me queimava» (O Independente, 19-1-2001). Se ele não põe as mãos no fogo pelos árbitros, quem haveria de pôr? É claro que a corrupção não se traduz apenas em mordomias ou em cheques por baixo da mesa. Ele está em jogo toda uma carreira, ele está em jogo a simpatia assumida ou dissimulada por este ou aquele clube, ele estão em jogo toda a espécie de interesses confessados e inconfessados. Não deve ser por acaso que a presidência do organismo que decide o futuro dos árbitros de futebol é dos lugares mais disputados. Não deve ser por acaso que se fala cada vez mais dos bastidores da bola e cada vez menos da bola propriamente dita. Não deve ser por acaso que ninguém está interessado em punir a indisciplina com maior firmeza e rigor e muito menos em legislar sobre situações dúbias que se repetem ao longo dos anos. Têm razão os árbitros quando vêm dizer que eles não podem ser o alvo exclusivo da suspeição que reina no futebol. Mas fica-lhes mal recusarem mostrar as declarações de rendimentos argumentando que também outros deveriam fazê-lo. E pior ainda quando se vêm armar em vítimas ou dizer que estão a ser os bodes expiatórios. Se é verdade que a atitude é compreensível, também não é menos verdade que ela em nada os torna menos suspeitos. Antes pelo contrário. [Originalmente publicado em 27-2-2001]