MUITO OBRIGADO. Antes de mais, muito obrigado pelas centenas de cartas e e-mails que os meus queridos leitores não se têm cansado de me enviar querendo saber quando retomo os meus Desabafos. Bem, na verdade não foram bem umas centenas mas uma boa meia dúzia deles, mas a despesa é a mesma e merecem agradecimento na mesma. Imagino que, para além das saudades dos Desabafos, os meus estimados leitores quererão saber como foram as minhas férias lá na terrinha, de maneira que eu achei por bem fazer-vos o relato do primeiro dia. Tudo começou numa sexta-feira de meados de Agosto do presente ano da graça. A poucas horas de embarcar, sou informado no check-in que o voo Tap Newark-Lisboa vai sair com uma hora de atraso. Se tudo correr bem, acrescento eu para os meus botões. Pedidos de desculpa pelo incómodo? Para quê? Iria resolver alguma coisa? Além disso éramos todos portugueses e, provavelmente, emigrantes. Fazem o favor de me avisar do atraso e eu dou-me por feliz e agradecido. Já dentro da caranguejola, a tripulação faz de conta que nada aconteceu e eu esforço-me por pensar que se fossem duas ou três horas de atraso seria pior, muito pior. Chegado à Portela e apanhada a bagagem vou directo ao rent-a-car. Dez pessoas na fila? Nada do outro Mundo e que uma horita de espera e meia dúzia de cigarros não resolva. É claro que me passou pela cabeça recorrer a outra agência, ali mesmo ao pé e sem clientes à vista, mas considerei a parte da massa que já tinha desembolsado e concluí que me saía caro. Assentei ao terceiro cigarro que só me restava esperar e não me ralar, que esta vida são dois dias, e lá para o quinto cigarro até já estava radiante por não ser o último cliente da fila, que eu calculei ter que esperar mais de duas horas até chegar a sua vez. Chaves na mão, tralha na carripana e pé na tábua para o Norte. Ligeira hesitação na Rotunda do Aeroporto (para a esquerda?, em frente?) e umas buzinadelas de um taxista. Enfim, o costume. Mas o dia estava lindo e o resto que se lixe. Paremos, por isso, em Aveiras, e pensemos que está tudo na sua divina ordem. E estava. Uma mísera centena de pessoas aguardava a vez de ser atendida pelas duas empregadas de serviço e eu lembro-me de ter pensado que podia ser bem pior se fossem duas centenas e uma emprega só. Além disso as catraias não se mostraram impressionadas com tanta clientela, cumprindo a rotina da bica e do pastel a passo de caracol. Os clientes também não. Esperaram nas calmas a vez de serem atendidos e também não vislumbrei quaisquer sinais de impaciência ou reclamação. Bonito, o quadro, e eu de lá continuei até ao Norte novamente agradecido e já a pensar no leitão que fazia tenções de comer na Mealhada, desse lá por onde desse, que o estômago reclamava leitão. Só abre ao meio-dia, o restaurante? Mas isto não está aberto 24 horas por dia? Não, não está, só abre ao meio dia e eu fiquei de novo agradecido por faltarem apenas 20 minutos e só haver uma dúzia de pessoas à minha frente. Enfim, mais umas três horitas e hei-de estar em Vila Real, se tudo correr de feição, calculei eu enquanto atacava o animal. Uma hora depois estava eu parado num monumental engarrafamento, resultante de uma colisão entre uma mota e um ligeiro. Mas o dia continuava lindo e acabou por ser uma excelente ocasião para pôr à prova o ar condicionado do automóvel, que funcionou na perfeição durante os três quartos de hora que por ali fiquei parado ao sol e que me fez de novo ficar agradecido. Excelente ocasião também para ouvir os conselhos de uma loura, ali parada ao meu lado e a chamar-me a atenção para debaixo do meu carro. «O seu carro está a verter água», diz ela, e realmente eu vi um fio que saia debaixo do motor que corria pelo alcatrão. «É do ar condicionado», disse eu, tentando convencer-me de que não seria outra coisa e recordar-me de quem me tinha vendido tamanha erudição. Esquecido o incidente e mirada a loura, aproveitei para desentorpecer as pernas e observar os nossos patrícios a caminho do local do acidente como se fossem a caminho de uma romaria. E estava eu a pensar que só faltavam meia dúzia de foguetes para que o cenário fosse perfeito quando vi uma carrinha de Rans, mesmo colada à traseira do meu carro, com três fulanos lá dentro e com o rádio nas alturas. De Rans? Sim, de Rans, mas não me pareceu que nenhum deles fosse o Tino, que haveria logo de fazer um discurso condizente com a ocasião e que era só o que me faltava. Enfim, com três ou quatro horas de atraso em relação ao previsto e umas quantas transgressões ao Código da Estrada cheguei, finalmente, à terrinha, mesmo a tempo do Porto-Benfica. Lembro-me vagamente que levámos dois secos, mas eu só tenho que agradecer não termos levado uma cabazada e, além disso, eu até já estava mais p'ra lá de que p'ra cá, graças ao adiantado da hora e ao tinto de Santa Marta. Além disso, o meu primeiro dia de férias tinha corrido em beleza, pelo que não seria um jogo de bola que iria deitar tudo a perder. De maneira que eu, com a devida licença dos meus estimados leitores, aproveito os meus Desabafos para agradecer à TAP e à Europcar, ao taxista e aos restaurantes de Aveiras e Mealhada, aos dois protagonistas da colisão, ao glorioso Sport Lisboa e Benfica e, é claro, à Adega de Santa Marta de Penaguião, que já fez melhor vinho mas continua a não desmerecer. A todos vós muito obrigado por me terem proporcionado um dia de férias inesquecível. [Originalmente publicado em 7-11-2000]