FÁTIMA E FUTEBOL. Segundo o vigário-geral da diocese de Leiria e Fátima, padre Jorge Guarda, a revelação da primeira e segunda partes do segredo da Cova da Iria, há 60 anos, projectou mundialmente o fenómeno de Fátima e provocou um grande impacto na população, desencadeando uma onda de devoção a Nossa Senhora. Terá, inclusivamente, dado origem a «diversos movimentos religiosos que fizeram da revelação o seu estandarte e a curiosidade em relação a Fátima intensificou-se em todo o mundo». Seguramente que, com a revelação da terceira parte do segredo, na última segunda-feira, nada disso se vai repetir, já que os próprios católicos não gostaram do que viram e alguns reagiram mesmo com algum estrondo. Para além da previsível reacção do padre Mário de Oliveira, para quem a revelação do terceiro segredo é uma «desgraça de todo o tamanho» e a hierarquia da Igreja andou a enganar-nos uma série de anos, também outros representantes da Igreja Católica não se coibiram de manifestar o seu desagrado com o conteúdo do texto. Tudo porque o papa João Paulo II resolveu incluir-se entre os mártires do século XX, como afirmou o professor Jacinto de Farias, já que viu a sua própria pessoa como sendo o tal bispo de branco que, segundo a irmã Lúcia, é morto por um grupo de soldados «com vários tiros e setas». Convenhamos que, para quem estava à espera que o segredo falasse de uma terceira guerra mundial ou mesmo do fim do mundo, ver João Paulo II como personagem central só porque foi vítima de um atentado, ainda por cima falhado, só podia resultar numa tremenda desilusão. Sobretudo porque, durante anos, a Igreja Católica nunca mexeu uma palha para pôr termo à procissão de teorias apocalípticas que a retenção do segredo naturalmente acabou por alimentar. Mas é evidente que, comparado com a derrota de Portugal frente aos franceses, o segredo da Cova da Iria não passa de um fait divers. Realmente importante foi aquele maldito penalty nos últimos dois minutos, muito pior do que qualquer apocalipse anunciado. Também eu tenho muitas dúvidas que aquilo é mesmo um penalty, já que me pareceu bola na mão e não mão na bola. Mas o fiscal-de-linha não viu assim e o árbitro até viu um pontapé de canto, mas já nada se pode fazer e a história não se compadece com miudezas. Além disso, o penalty trouxe-me à memória o senhor Aigner, director-geral da UEFA, que poucos dias antes disse que gostaria de ver uma final entre a França e a Holanda. Custou perder assim? Custou, mas também teria custado perder nos penalties, onde a sorte quase sempre fala mais alto do que o saber dos artistas. Mas é preciso reconhecer que, a haver um vencedor durante o jogo, prolongamento incluído, seriam os franceses, já que foram eles que mais fizeram por isso. Mesmo sem o artista Zidane nos seus melhores dias, apesar de alguns lances de encher o olho me terem gelado a espinha. Além disso, o golo espectacular do Nuno Gomes foi contra a corrente do jogo, não nos esqueçamos disso, embora a circunstância não retire mérito ao «matador», que arriscou um surpreendente remate à baliza e nos fez acreditar que, afinal, tudo era possível. Com certeza que perdemos mas saímos de cabeça erguida, como gostamos de dizer para fingir que, assim, nos resta algum consolo. Estava escrito que o guarda-redes francês haveria de desviar para canto aquela cabeçada monumental do Abel Xavier, o mesmo que mais tarde iria deitar tudo a perder. Estava escrito também que Figo não iria estar nos tais dias de inspiração e com três adversários à perna sempre que tocava na bola, claro está que por culpa dos franceses, que traziam a lição muito bem estudada. É claro que, da próxima vez, até os comemos. O problema é que ainda faltam quatro anos e toda a gente diz que santos da casa não fazem milagres. [Originalmente publicado em 30-6-2000]