FALHANÇO TOTAL. Como escrevi por ocasião das Presidenciais de 2008, votei Obama porque não me pareceu que o opositor fosse capaz de provocar a catarse que o país necessitava, porque me pareceu que Obama era o que melhor corporizava a vontade de mudança, porque achei que se renderia ao pragmatismo em matérias como a segurança, porque Obama era, em suma, o menos mau dos candidatos. Dois anos volvidos, o saldo é francamente pior do que imaginava. Obama falhou na economia (a fortuna injectada na banca e no sector automóvel não produziram os afeitos desejados), falhou no desemprego (que se mantém ao nível mais alto dos últimos 26 anos apesar dos milhões investidos em obras públicas com o objectivo de gerar emprego), falhou na saúde (se o seguro de saúde entrar em vigor será uma pálida imagem do que Obama pretendia e há sérias dúvidas de que irá beneficiar quem mais dele precisa), falhou na política interna (foi preciso a hecatombe das intercalares de Novembro para falar com a oposição), falhou na política externa (não só não acabou com a guerra do Afeganistão como ainda a alimentou e o Iraque não está inteiramente resolvido), falhou nos direitos humanos (proibiu a divulgação de fotografias de abusos sobre prisioneiros, pôs uma pedra sobre os voos da CIA alegando tratar-se de assunto de Estado, declarou que os detidos na base afegã de Bagram não tinham direitos constitucionais, Guantânamo continua por fechar). Até ver, apenas se pode gabar de diminuir o ódio à América, embora os americanos se ralem pouco com isso. Nem o Prémio Nobel da Paz, que lhe atribuíram sem que se percebesse porquê, esconde um desempenho medíocre, e a desilusão bem expressa nas intercalares de Novembro. Bem pode Obama atribuir o fracasso à herança da administração anterior que as evidências são muitas e só não as vê quem não quer, e é bom não esquecer que Obama sabia bem ao que ia quando se candidatou e nem por isso se inibiu de prometer o céu e a terra. [Originalmente publicado em 16-11-2010]
ESCREVEDORES & PUBLICANTES. Provavelmente acharão um exagero se eu disser que resido e trabalho numa área onde há mais escritores que leitores, mesmo que pretenda fazer uma caricatura, por natureza um exagero. Partindo do pressuposto que um escritor também é um leitor (Vila-Matas escreveu que um escritor é um leitor que escreve), facilmente se conclui que haverá, pelo menos, tantos leitores como escritores, pelo que a caricatura pecaria, neste caso, por defeito. Infelizmente não exagero, nem pretendo fazer uma caricatura. Por incrível que pareça, conheço escrevedores que se gabam de nunca terem lido um livro, geralmente por falta de tempo (um clássico), de paciência, ou as duas coisas. Falo, portanto, de casos concretos, e partindo levianamente do princípio que um escritor é todo o indivíduo que publica, pelo menos, um livro de poesia ou de ficção, como por aqui se consideram os publicantes de um modo geral. Vi não sei onde um cartoon em que um leitor gatafunhava dedicatórias nos livros de uma fila de escritores, precisamente o inverso do que se vê no lançamento de livros. Se ali havia um exagero, aqui não há exagero. Mas não julguem que tenho um problema com os publicantes, que a circunstância de acharem o livro um objecto respeitável já não é mau. Lamento, apenas, que não passem daí, que não comecem a ler uns livritos, mesmo os que não se recomendam. Podia ser que um dia publicassem prosa legível ou poesia em que a bota não se limita a rimar com a perdigota, que a leitura naturalmente vai exigindo que se faça melhor. Ainda há pouco um argentino (Abelardo Castillo) dizia que «um escritor que não tenha lido não existe, não é escritor». Infelizmente, só é evidente para quem lê. [Originalmente publicado em 22-10-2010]
MONSTRUOSIDADES. Tirando Carlos Silvino, que confessou ter cometido alguns crimes de que foi acusado, nenhum dos restantes arguidos no processo Casa Pia diz ter praticado os actos pelos quais foi condenado. De um modo geral, os arguidos reagiram indignados com o que consideram monstruosidades, e nem outra coisa seria de esperar depois de se saber que tencionam recorrer das sentenças. Mas se isto se compreende, se os arguidos não podiam dizer outra coisa quando pretendem apelar a outras instâncias, custa-me a crer que o tribunal que os julgou tenha cometido as monstruosidades de que o acusam. É preciso ver que a decisão foi tomada por três juízes (que consideraram credíveis os argumentos dos investigadores, de vários magistrados do Ministério Público e de mais dois juízes), e tudo leva a crer que os arguidos tiveram todas as condições para se defender. Não duvido que a justiça cometeu erros e que mereça, de um modo geral, todas as dúvidas, mas custa-me a crer que tenha cometido os erros grosseiros de que é acusada sabendo de antemão que todos os olhos estavam postos nela, e que não tinha, portanto, margem para errar. Lamentável é que a sentença acabe em coisa nenhuma — por causa dos recursos, por ultrapassar os prazos previstos, por outro motivo qualquer. Pior: as dúvidas que subsistem adensar-se-ão em vez de se dissiparem, o que é mau para a justiça e péssimo para quem está a contas com ela. Ficará, contudo, uma certeza: fossem outros os arguidos e estariam, há muito, na cadeia. Com culpa ou sem ela, mas isso é outra conversa. [Originalmente publicado em 13-9-2010]
PRAGAS. É moda dizer-se que ninguém é isento, logo não é possível redigir uma notícia de forma equilibrada. Como já disse e repeti, concordo em casos excepcionais (manifestações desportivas em que intervém a selecção portuguesa, por exemplo), discordo em quase todos os outros. Não me parece difícil os jornalistas limitarem-se a noticiar os factos, deixando aos leitores (telespectadores, ouvintes) a tarefa de ajuizar pelas suas próprias cabeças o que houver a ajuizar. É essa, aliás, a função do jornalista, ou a primeira função do jornalista. Mas se for difícil, se não resistirem a meter o nariz onde não devem, se insistirem em omitir e/ou distorcer os factos de molde a convencer os leitores (telespectadores, ouvintes) a pensar de determinada maneira, então seria melhor que se dedicassem a outra actividade. O conflito israelo-palestiniano, sobre o qual todos parecem ter uma opinião definitiva apesar da evidente complexidade, é um bom exemplo desta prática, pois geralmente as notícias contêm opiniões que passam por factos, quando se esperaria que as notícias contenham os factos, e só os factos. Como é óbvio, factos são factos, opiniões são opiniões, e espera-se que não se misturem uns com os outros, muito menos deliberadamente. Infelizmente, nem os manuais de redacção e os livros de estilo nos livram desta praga. [Originalmente publicado em 9-8-2010]
FORA DE JOGO. Não duvido que o Mundial de Futebol convém ao Governo em funções, e se as coisas correrem bem à selecção portuguesa ainda conviria mais. Mas é preciso ver que o povo anda «anestesiado» durante um mês não porque o Governo fez com que assim sucedesse, mas porque o povo (façamos de conta que é só do povo que se trata) quer que assim seja. Percebe-se que o cenário não convenha à oposição e não agrade a quem gostaria de ver o povo interessar-se por romances de Camilo e óperas de Wagner, mas o povo é mais dado ao futebol e à música do Quim Barreiros — e os «incomodados da bola» até costumam enaltecer a inteligência do dito sempre que há eleições e o povo vota de determinada maneira. Que mal tem o povo alienar-se durante umas semanas e esquecer-se da vidinha? Palavra de honra que não estou a ver. Pelo contrário, até me parece uma prática muito saudável. Ao contrário, destilar ressentimento contra o futebol e seus apoiantes é pouco inteligente e não ajuda a causa anti-futebol, além de demonstrar que alguns intelectuais têm um problema com o futebol sem que se perceba porquê. Dir-me-ão que o problema deles não é o futebol, mas o que consideram excesso de futebol. Acontece que o excesso de futebol é, para eles, tudo o que desvie a atenção do que julgam importante, pelo que qualquer dose é excessiva. Curiosamente, os países ditos civilizados, precisamente os países que eles não se cansam de apontar como exemplos a seguir, têm, sobre o futebol, mais ou menos o mesmo comportamento que os portugueses, e nem por isso deixam de ser civilizados. Como não deixam de ser civilizados os intelectuais que, em Portugal e fora dele, não vêem o futebol como coisa de selvagens, e também não me consta que o entusiasmo de alguns lhes abale a respeitabilidade. [Originalmente publicado em 1-6-2010]
UMA DERROTA ANUNCIADA. Dizem que o fundamentalismo islâmico é uma minoria, e eu esforço-me por acreditar. Mas, sendo uma minoria, como consegue ela ter tanto poder? Convenhamos que não se espera de uma minoria que imponha valores a quem defende outros valores, modos de vida a quem escolheu outros modos de vida. Pegando no último caso conhecido, teriam os responsáveis de South Park censurado um episódio caso fossem ameaçados pela Igreja Católica em vez do Islão? Evidentemente que não teriam, e se calhar teriam aproveitado a ocasião para fazer uns episódios ainda mais «picantes», e o incidente acabaria com os responsáveis da Igreja Católica (reparem, os responsáveis da Igreja Católica, não uma minoria) a meter o rabo entre as pernas. Como é o Islão a fazer ameaças, como as ameaças do Islão são para levar a sério, os responsáveis de South Park puseram-se imediatamente de joelhos, e desculpem lá o meu jeito. Pior: o silêncio generalizado que o episódio mereceu demonstra que tais práticas já se tornaram rotina, o que equivale a dizer que estamos prontos a ceder o que for preciso, e a sacrificar o que for necessário. Sou agnóstico, mas a circunstância não me impede de ver que a Igreja Católica «encaixa» diariamente toda a espécie de críticas, algumas sem fundamento, e só para falar da Igreja Católica. A começar, aliás, pelo Papa, que não sendo o santo que alguns tentam fazer crer não se tem furtado a pedir desculpas pelos pecados próprios e alheios. Ao contrário, o fundamentalismo islâmico exige que lhe peçam desculpa pelo pecado de não pensarem como eles, e estamos cheios de sorte se acederem ao nosso pedido. É perturbante, é revoltante, mas é assim. [Originalmente publicado em 31-5-2010]
MAQUINAÇÕES. É possível que exista uma «maquinação» contra a Igreja Católica usando a pedofilia como pretexto, como desconfia o cardeal Saraiva Martins, mas se vamos por aí também é provável que a Igreja Católica esteja a usar a teoria da «maquinação» como manobra de diversão. A pedofilia na Igreja Católica é infinitamente mais grave que a «maquinação», real ou imaginária, de que a Igreja Católica possa estar a ser vítima, como diariamente se constata. Esconder a realidade, além de obsceno, é contraproducente, e dizer-se que se pretende transformar «uma culpa pessoal em culpa colectiva» é pura demagogia. Pior: comparar os ataques à Igreja Católica como o pior do anti-semitismo, como fez um padre italiano num sermão proferido diante Bento XVI, é um insulto aos judeus, e até mesmo quem está pouco informado sobre o assunto sabe bem que as duas coisas não são comparáveis. Ainda mais: o autor da grosseria não é um padre qualquer, mas o autor de inúmeras obras de carácter teológico, e o «pregador pessoal» de Bento XVI. Com certeza que a pedofilia não é um exclusivo da Igreja Católica, e está por demonstrar que a a Igreja Católica alberga mais casos de pedofilia que outra agremiação do género. Seguramente que os pecados do Islão (ou cometidos em nome do Islão) não merecem um décimo do escrutínio que merecem os pecados da Igreja Católica, e só para falar num caso flagrante. Mas não é relativizando a pedofilia na Igreja Católica que ela se torna menos grave, não é escondendo os casos que vão surgindo que eles deixam de se ver, não é assobiando para o lado que o problema se resolve. Encarar a pedofilia na Igreja Católica como um problema «típico das famílias» que no recato das famílias deve ser resolvido, como também defende Saraiva Martins, é demasiado chocante para ser verdade. Mais sensatos foram os cardeais Policarpo e Torgal Ferreira, o primeiro ao dizer que «os pecados da Igreja (...) indignam o mundo e ofuscam a imagem do reino de Deus», e o segundo ao acusar a hierarquia da Igreja Católica de ocultar o problema para salvar a imagem. E se há coisa de que a Igreja Católica anda muito necessitada é de sensatez. [Originalmente publicado em 6-4-2010]
CHEGÁMOS À MADEIRA. Quando ocorreu a tragédia no Haiti, as primeiras notícias falavam de mortos e feridos e de um país miserável, onde a tragédia teria sido atenuada caso não fosse governado por gerações de políticos que não se recomendam. Que me lembre, ninguém se indignou que assim se falasse. Agora, que a tragédia chegou à Madeira, quando alguém sugeriu erros de planeamento urbanístico, que eventualmente teriam reduzido a dimensão da tragédia, foi logo apelidado de canalha, e quem tinha algo a dizer sobre o assunto meteu o rabinho entre as pernas. Não sou especialista em planeamento urbanístico, mas a ignorância não me impede de ver o que me parece uma evidência: se é provável que os críticos de Jardim aproveitaram a ocasião para o criticar, não olhando a meios e a escrúpulos, também é nestas alturas que melhor se percebem os eventuais erros cometidos. As tragédias deviam, ao menos, servir para lhes conhecermos melhor a origem — de modo a evitar que se repitam caso seja possível evitar que se repitam, ou de forma a encontrar maneiras de minimizar as consequências. Concentrar as energias a enterrar os mortos e a cuidar dos vivos, como dizia o outro, é uma tarefa meritória, mas soa a pouco. [Originalmente publicado em 15-3-2010]
COISAS SIMPLES. Cada vez tenho mais dificuldade em julgar as imagens que me chegam de cenários de guerra, terramotos e coisas afins. O que é razoável mostrar nas TVs? Imagens de grande violência são, por regra, exploração das vítimas, e grande parte das vezes não há dúvida que são. Fazer o quê, então, diante a violência extrema? Ficar por imagens «limpas» de modo a não perturbar os estômagos e não correr o risco de ser acusado de exploração da violência? Será que, assim, ficaremos com a noção exacta da dimensão das tragédias que nos mostram? Não estaremos demasiado habituados às «guerras limpas», onde nunca se vêem mortos e feridos agonizantes e cadáveres amontoados? Percebo as críticas às imagens que passam nas TVs, e não é preciso esforçar-me para concordar com elas. Mas o caso é mais complexo do que as críticas sugerem, e sem dúvida que é mais fácil apontar o dedo que a solução. O bom senso seria, aqui, a medida certa, mas o problema é que o bom senso é um conceito tão vago que cada um tem o seu. A realidade é a cores, como agora se diz por tudo e por nada. Simplificar o que não é simplificável, é demagogia ou ignorância. [Originalmente publicado em 11-2-2010]
INDEPENDÊNCIAS. Antigamente, era pecado zurzir em quem estava no poder, e geralmente pagava-se cara a ousadia. Hoje, é pecado defender quem está no poder, embora os custos sejam infinitamente menores. Como terão notado, não sou, por princípio, contra o poder ou a favor do poder, seja o poder qual for, e será desnecessário dizer que um pouco de bom senso bastará para se concluir que nem tudo é mau no poder, e nem tudo é bom na oposição. Por mais que me chamem «seguidista» ou coisas piores, recuso-me a criticar o Governo se achar que não há motivos para tal, e parece-me desnecessário lembrar que quem é contra o Governo não é, necessariamente, independente, como tantas vezes se pretende fazer crer. Também não aceito que se ataque um governante (dirigente político, destacado militante de um partido político, casos do género) por este ter tomado uma medida que não agradou ou dito algo que não caiu bem usando como arma o ataque pessoal em vez de argumentos, para mim os únicos legítimos. Ser contra o poder é popular nos regimes democráticos, pelo menos nos regimes democráticos dignos desse nome, e sempre politicamente correcto. Mas como não pretendo ser popular nem politicamente correcto, digo o que penso, e logo se vê. Se vierem elogios, aprecio-os e agradeço. Se vierem impropérios, já estou vacinado. Ser independente tem custos. Geralmente apanha-se de todos os lados, incluindo dos independentes. Não é agradável, que não sou masoquista. Mas são as regras do jogo, e não estou disposto a trocá-lo por nenhum outro. Por mais que isso incomode algumas almas, por mais jeito que me dê, por mais confortável que seja. A não ser que me ponham um revólver à frente, que nesse caso mudarei de opinião sem grande dificuldade. [Originalmente publicado em 15-1-2010]
FADOS E GUITARRADAS. Volta e meia criticam-me o escasso entusiasmo pelo fado, nos melhores casos alertando-me para uma deficiência, nos piores insultando-me. Dizem-me que o fado é isto e aquilo, que são precisos não sei que conhecimentos que eu não terei para o apreciar como deve ser apreciado, embora jamais me tenham explicado que conhecimentos são esses, e de que forma o fado deve ser apreciado. De tanto ter dado para este peditório, geralmente acolho as críticas com um encolher de ombros, e raramente me dou ao trabalho de argumentar. Mas há uma coisa que me tem esquecido de dizer, e que não perdeu pela demora: de um modo geral, os entusiastas do fado não apreciam música, ou só apreciam aquela música que geralmente se designa com adjectivos pitorescos que me dispenso de enunciar. Bem sei que há apreciadores de fado que gostam de música, e eu próprio conheço alguns casos. Mas falo da regra, e a regra parece-me esta. A não ser que os fundamentalistas me tenham calhado todos a mim (castigo divino, dirão alguns), mas acho pouco provável. Digo fundamentalistas porque é de fundamentalistas que se trata, pois genuflectem com uma facilidade espantosa sempre que falam de fado, e quando se fala de outras músicas são surdos que nem portas — ou só têm ouvidos para cantigas de que é melhor nem falar. Não é uma opinião, é um facto. Um facto que eu, como apreciador de música, sou o primeiro a lamentar, e não estou a ironizar. Um fundamentalista é basicamente um cego ou um surdo (ou as duas coisas), e cegos e surdos só me merecem respeito os que o são de facto. Cegueira por recusa de ver ou surdez por recusa de ouvir, causam-me pena nos melhores casos, e desprezo em todos os outros. Escusado será dizer que a nenhum deles reconheço autoridade para me dar lições de música, ou do que quer que seja. [Originalmente publicado em 11-12-2009]
REAL E VIRTUAL. A ideia de que os media estão ao serviço dos governos, de só haver um ou outro jornal ou TV independentes que os governos tentam calar, é um argumento mais que estafado. Há jornais (e jornalistas) que fazem fretes ao Governo? Não duvido. Como também não duvido que há jornais (e jornalistas) que fazem fretes à Oposição, e só para não sair da política. Quem não ouviu que o Partido Republicano controlava os media no tempo de Bush, e Obama, apesar de ser do Partido Democrático, ganhou da forma que se viu? Quem não leu que a administração republicana se passeava com os media pela trela, apesar de os principais jornais americanos se terem posicionado ao lado do candidato que Bush acabaria por derrotar? Aliás, este último ponto levanta a questão de saber até onde vai o poder dos media em matéria eleitoral. Terão eles a importância que se lhes atribui? Devo dizer que não simpatizo com o actual Governo e com quem o chefia, mas já dei para este peditório. É que a realidade está sempre a desmentir as mais belas teorias, como a asfixia democrática, uma belíssima treta. Concordo que não há boa informação, que há erros em demasia e excesso de servilismo, mas nunca duvidei que existe pluralidade de informação. Será pouco, mas muito mais do que nos querem fazer crer. [Originalmente publicado em 17-11-2009]
BALELAS SARAMAGUIANAS. Não sei se a Bíblia é um «manual de maus costumes e um catálogo do pior da natureza humana», como diz Saramago, e se Caim poderá «incomodar os judeus», como suspeita ou deseja. Duma coisa, porém, não duvido: Saramago é melhor na promoção dos seus livros que a escrevê-los, coisa, aliás, que não é difícil. Para não variar, a Igreja Católica voltou a cair na esparrela. Saramago «revela uma ingenuidade confrangedora quando faz incursões bíblicas» e «deveria informar-se antes de escrever», disse o bispo do Porto. Anselmo Borges acha que Saramago fez uma leitura «completamente unilateral» da Bíblia, o porta-voz da Conferência Episcopal disse que «um escritor da craveira de José Saramago deveria ir por um caminho mais sério», e o director da Faculdade de Teologia da Católica esperava que o escritor reconhecesse «o valor de obras que estão entre os grandes textos do património literário da humanidade». Também os judeus não resistiram. Saramago «não conhece a Bíblia nem a sua exegese», disse o rabino Eliezer di Martino. Dezoito anos após a polémica causada pel’O Evangelho segundo Jesus Cristo, eis mais um escândalo saramaguiano para animar as vendas, como sempre com a contribuição de uns quantos que melhor fariam estar calados. Por mim, se os primeiros parágrafos de Caim estiverem tão mal escritos como os primeiros parágrafos d’O Evangelho ou d’A Viagem do Elefante, o lançamento do livro não chega a ser notícia, muito menos motivo de controvérsia. Notícia seria se Saramago tivesse publicado um livro escrito de forma escorreita, mas isso seria pedir demasiado. [Originalmente publicado em 21-10-2009]
CRONISTAS. Miguel Esteves Cardoso dizia, há pouco, que gosta de ler «coisas compridas que deram trabalho a descobrir», a «pensar», e a «escrever». Também eu tenho saudades dos tempos em que os jornais e as revistas publicavam textos compridos que deram trabalho a escrever, do tempo em que O Independente abria com duas páginas de Agustina, das revistas K e Best Off, e dos primórdios da Grande Reportagem. Mas o que realmente me chateia nos dias de hoje é ver alguns dos nossos melhores cronistas reduzidos a três parágrafos. Posso estar enganado, mas duvido que os leitores apreciem o modelo. Provavelmente os editores ter-se-ão convencido de que os leitores não têm tempo (ou paciência, ou as duas coisas) para ler mais que três parágrafos, mas eu duvido outra vez. Verdade que alguns me adormecem ao segundo parágrafo, e até já nem leio meia dúzia com esse receio. Mas destes não é o tamanho que me chateia. Chateiam-me porque escrevam coisas desinteressantes ou de forma desinteressante, às vezes as duas coisas. E não me refiro aos cronistas de que discordo quase sempre (podia citar alguns de que discordo quase sempre cujas prosas nunca dispenso), mas aos que escrevem de modo em que nem se aproveita o estilo, nem o conteúdo. É uma opinião, bem sei, tão discutível como qualquer outra. Mas o pior que me podem dizer é que tudo isto é relativo, e assunto encerrado. É que eu estou farto do relativismo que tudo iguala, quer seja bom, quer seja mau. Estou farto da preguiça mental que o relativismo, no fundo, encerra, para não dizer que o relativismo é uma forma de fugir à discussão. O que me convence são os argumentos, não os relativismos. E ainda me hão-de demonstrar que o formato minúsculo é o que os leitores preferem. [Originalmente publicado em 1-10-2009]
O FUTURO DO LIVRO. Percebo o receio sobre o futuro do livro em papel, mas começo a cansar-me dos argumentos contra os meios electrónicos, alegadamente porque os meios electrónicos ameaçam a existência do livro em papel. Utilizo maquinetas de leitura electrónica há mais de uma década e nem por isso diminuiu o meu interesse pelo livro em papel, e não me parece que eu seja um caso único. Até ver, as maquinetas são mais um complemento que uma alternativa, embora às vezes sejam, de facto, uma alternativa, e uma alternativa por ser uma mais-valia. Ao contrário do que se tem dito, as maquinetas de leitura electrónica têm vantagens. Há livros que li no leitor de eBooks que dificilmente teria lido em papel. Umas vezes porque não encontro edições em papel, outras vezes porque as edições em papel são tão antigas que é preciso manuseá-las de modo a não se desconjuntarem, outras ainda porque é mais fácil encontrar edições na internet (de borla) que nas livrarias (a pagar). Li praticamente todo o Eça no leitor de eBooks, bem como quase tudo o que li de Camilo e Machado de Assis. Além destes, tenho a maquineta «carregada» com Euclides da Cunha, Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Charles Dickens, Mark Twain, Charles Darwin, Joseph Conrad, Henry James e outros, quase todos tirados da internet. Não seria fácil desencantar edições em papel de alguns deles, nomeadamente dos lusófonos, muito menos residindo eu, como resido, nos EUA. Mas devo dizer que também eu prefiro o livro em papel (no leitor de eBooks perde-se o livro enquanto objecto, que naturalmente aprecio), que nunca deixei de comprar nem de ler, apesar de os livros em formato electrónico serem mais baratos e, por vezes, mais atraentes (pode-se mudar as fontes e o tamanho das letras, o que não é pouco). Um exemplo entre vários que podia dar: estou a ler a versão inglesa de A Viagem do Beagle no leitor de eBooks apesar de possuir uma edição recente em papel. Razão: o exemplar em papel é demasiado pesado (costumo ler deitado, pelo que o peso faz diferença), e o papel foi de tal modo aproveitado que sou obrigado a forçar a abertura do livro para além do que seria razoável. Como posso lê-lo no leitor de eBooks sem estes inconvenientes, ainda por cima de forma gratuita, por que não haveria de fazê-lo? Podia dar mais exemplos acerca das vantagens do leitor de eBooks sobre os congéneres em papel — vantagens, repito, que não põem em causa o futuro do livro em papel, nem o carinho que tenho por eles. Não que eu não admita que o fim do livro em papel não seja uma possibilidade, mas porque me parece que não será devido às maquinetas de leitura electrónica. Aliás, não deve ser por acaso que a indústria electrónica tenta, há anos, popularizar o leitor de eBooks, até ver sem sucesso. Mas se, um dia, substituírem os livros em papel, não será porque a indústria livreira assim o determinou, mas porque os leitores assim o quiseram. Tal como não foi a indústria musical que ditou o fim dos LPs e, não tarda, dos CDs, mas os consumidores, que perceberam as vantagens dos novos meios — e decidiram mudar. Se assim for, apenas se muda o suporte. O livro, esse, permanece, e isso é que importa. [Originalmente publicado em 1-9-2009]
PUTAS E SUBMISSAS. Desconheço a seriedade do movimento «Nem Putas nem Submissas», mas simpatizo com o nome. Trata-se, ao que dizem, de um grupo de activistas muçulmanas que pretendem denunciar a «degradação da condição feminina» entre as comunidades imigrantes francesas, pelo que eu só posso aplaudir. Mas se isto não me oferece reservas, já me parece um disparate que deputados franceses (seis dezenas) e o próprio presidente Sarkozy defendam a proibição da burqa, a pretexto de que as burqas são «degradantes» e «verdadeiras prisões ambulantes», e que «a visão destas mulheres aprisionadas» é «inaceitável no solo da República». Discordo por uma razão elementar: por mais que se pretenda libertar a mulher muçulmana da opressão masculina, por mais que se queira pôr fim a situações repugnantes e inadmissíveis no mundo em que vivemos, por mais nobres que sejam as intenções destes e doutros beneméritos, a verdade é que nem todas as mulheres muçulmanas residentes em França usam a burqa porque a isso são obrigadas. É por esta e por outras como esta que nada se tem avançado contra as práticas fundamentalistas islâmicas, nomeadamente em países onde se espera que não aconteçam. Pelo contrário. Situações como esta apenas servem para andarmos para trás. Usando a lógica do fundamentalismo islâmico, proibindo em vez de deixar que cada um livremente decida o que fazer, acaba-se a justificar (e a promover) o fundamentalismo islâmico, precisamente o contrário do que se pretende. Espero, portanto, que os políticos franceses ganhem juízo, e que as simpáticas senhoras alcancem o que pretendem. [Originalmente publicado em 5-8-2009]
ELEITOS E NOMEADOS. Contrariamente ao que ouvi a um deputado, já não me lembro quem e a que propósito, é bom recordar que os parlamentares portugueses não são eleitos. Verdade que alguns são (desempenham, de facto, o cargo para que foram eleitos), mas uma enorme quantidade não é. Três quartos dos deputados não estão na Assembleia da República porque foram eleitos, mas porque foram nomeados por quem neles manda (os partidos políticos), diz um estudo recente. De facto, o sistema eleitoral português não elege deputados: elege a percentagem de lugares no Parlamento a que cada partido que se apresenta a sufrágio tem direito. Como se perceberá, não é uma questão de palavreado ou de interpretação dos resultados eleitorais, que cada um faz como lhe convém. É uma questão de facto, e os factos não se discutem. Também não é, evidentemente, a descoberta da pólvora. Mas é bom que tenhamos presente que as coisas são o que são, e que saibamos em quem votamos quando votamos nas legislativas, por mais interessantes que sejam os candidatos que nos ponham à frente e nos garantam que serão eles, uma vez eleitos, que nos irão representar. [Originalmente publicado em 6-7-2009]
PRAGMATISMO E VARIAÇÕES. Contrariamente ao que possa parecer, sobretudo aos que me lêem no blogue, desejo que as coisas corram bem a Obama. Antes de mais, porque Obama dirige o país que escolhi para viver, e onde tenciono permanecer nos próximos anos. Depois, votei nele por me parecer que Obama era o menos mau dos candidatos, e por acreditar que a simples ideia de que as coisas iriam mudar, como ele prometeu, era, por si só, positivo. Pareceu-me, finalmente, que Obama se renderia ao pragmatismo em matérias como a segurança e o terrorismo caso fosse eleito, e o que está a acontecer demonstra que não me enganei — ou que não me enganei inteiramente. Posto isto, devo dizer que vejo com apreensão as hesitações que Obama tem vindo a demonstrar em matérias como as que acabo de enunciar, que já o levou a fazer um discurso ao país procurando tranquilizar os mais cépticos. Qualquer pessoa que não morra de amores pela política em geral e pelos políticos em particular sabe bem que a questão da segurança e do terrorismo é mais delicada do que muitos pretendem, e toda a gente também já percebeu que as medidas tomadas por George W. Bush teriam que ser tomadas na altura em que foram tomadas, como também começa a ser evidente que as medidas seriam tomadas na mesma caso o presidente fosse outro, republicano ou democrata. Eu sei que estou a chover no molhado, e até já ouço dizer: «Lá está o gajo a defender Bush, esse malvado.» Acontece que eu não mudo conforme os ventos e me chateia que a importância dos factos varie consoante os protagonistas, e não aceito que hoje se aplauda pelas mesmíssimas razões o que ainda ontem se condenou. Chateia-me, por último, a mentira e a má-fé, a ponto de me fazer sair em defesa de um inimigo caso esteja a ser vítima delas. Um exagero, bem sei, mas é assim. [Originalmente publicado em 11-6-2009]
SAL A MAIS. Alertado por Alberto Gonçalves, cujas prosas na Sábado e no DN integram a dose semanal de leituras que nunca dispenso, fui ler o texto que o deputado Jorge Almeida publicou num jornal da minha terra onde defendeu a famosa lei que prevê a redução do sal no pão. Diz o deputado que não se deve pactuar com «perfis comportamentais de risco para a saúde», pois é a comunidade que paga «a factura da doença, da «invalidez», ou «da morte prematura». «Quando estão em causa problemas de saúde pública de grande relevância» resultantes de «causas modificáveis», prossegue o deputado, «faz todo o sentido introduzir alguma regulação». Ora, seguindo o raciocínio do ilustre, por que não reduzir o açúcar, as calorias, as gorduras, os fritos e tudo o resto que ponha em risco a saúde? Por que não, já agora, reduzir os deputados que nos querem salvar, provavelmente casos de saúde mental? Quando é que os políticos metem nas cabecinhas que não é função do Estado decidir o que devemos comer e quantas quecas (e com quem) podemos dar? (Sim, exagero, mas lá chegaremos.) Os políticos estão preocupados com a nossa saúde? Então obriguem as panificadoras (e demais indústrias alimentares) a expor os seus produtos no mercado acompanhados de informação acerca do teor de sal e doutras coisas que fazem mal, deixando ao consumidor a liberdade (sim, é de liberdade que estamos a falar) de escolher o que lhe interessa e de excluir o que não lhe convém. Não queiram decidir por nós o que só a nós compete decidir, e exercer funções para as quais ninguém os elegeu. E, já agora, façam o favor de não nos tratarem como se fôssemos crianças ou atrasados mentais. O facto de os termos eleito pode prestar-se a essas leituras, mas não é caso para tanto. [Originalmente publicado em 14-5-2009]
O ENGODO. Se bem me lembro, construíram-se estádios de futebol porque os estádios de futebol eram necessários para o Euro2004. Agora, pondera-se fazer o Mundial porque o Mundial seria, segundo alguns, uma forma de rentabilizar as infra-estruturas já existentes, a grande maioria construídas (ou remodeladas) por causa do Euro2004. Como se adivinha, os que agora argumentam com a rentabilidade dos estádios são os mesmos que ontem não se ralaram com isso, apesar de gente avisada os ter alertado, na altura, para a evidência. Como a generalidade dos portugueses, estou para saber se Portugal ganhou alguma coisa com o Euro2004. Sei, como todos sabem, que se gastaram milhões para construir (ou remodelar) estádios hoje às moscas e que, agora, dizem ser preciso rentabilizar, embora ninguém acredite que não vão ser necessárias mais umas obras — e correspondentes milhões. Como já perceberam, não acredito num Mundial de borla, muito menos no engodo da rentabilização dos estádios. Como ficou demonstrado com os estádios do Euro2004, que custaram não sei quantas vezes mais que o inicialmente estimado, o que ora nos parece barato há-de sair-nos caro. Esperemos para ver o que a candidatura vai dar, mas seria bom que não perdêssemos a realidade de vista. Não a realidade que nos querem meter pelos olhos dentro, mas a realidade que, apesar dos malabarismos, não deixa de ser o que é. [Originalmente publicado em 21-4-2009]
PORNOGRAFIA II. É um facto que só uma minoria se interessa por arte, provavelmente uma minoria muito reduzida. Só essa minoria estará, portanto, em condições de distinguir um Picasso de um habilidoso, um Schönberg de um chico-esperto, ou um Eça de uma «besta célere»(*). Não é assim? O recente episódio de Braga (a PSP local apreendeu meia dúzia de exemplares de um livro que na capa reproduzia uma obra de um pintor francês julgando tratar-se de pornografia) demonstra que não é assim. Como se viu por aquilo que então se disse, toda a gente conhece a obra do pintor, nomeadamente a obra que causou o incidente, excepto os nossos rapazes da PSP, unanimemente considerados umas bestas, e prontamente acusados de não estarem à altura da nossa imensa cultura. Mas o mais impressionante neste género de casos é constatar-se que qualquer analfabruto que queira botar figura e impressionar os pategos tem a arte como coisa importante, e como tal considera lacuna de monta não ter conhecimentos sobre a dita. Daí que jamais dirá que não conhece, que não sabe, que não viu. O lamentável é que o sujeito invista a esconder a ignorância em arte em vez de investir a interessar-se por ela, pois o interesse valer-lhe-ia, seguramente, a pena — além de que evitaria deixar o rabo de fora, como sempre acontece quando se escondem estas coisas. Infelizmente, não é assim que ele pensa. As aparências são, para ele, mais importantes que tudo o resto, e nos tempos que correm ninguém se espanta que a montra não corresponda ao armazém. Como se viu, aliás, pelos concertos para violino que Chopin nunca compôs e pelo livro que Sartre nunca escreveu, que um ex-primeiro-ministro nos garantiu ter ouvido e um candidato a primeiro-ministro jura ter lido — episódios que só não passaram completamente despercebidos (ou por manifestações de alta cultura) porque os adversários políticos de Santana Lopes e de Passos Coelho observam à lupa o que eles dizem, e não perdoam deslizes destes. Não porque atribuam grande importância a estas minudências, escusado será dizer. Até porque geralmente não são, nessa matéria, melhores do que eles. [Originalmente publicado em 1-4-2009]
(*) Bestseller «traduzido» por Alexandre O’Neill
PORNOGRAFIA I. Além de um atentado à liberdade de expressão de fazer lembrar os piores tempos de antigamente, como foi dito e repetido pelos «guardiões do regime» e me pareceu uma comparação obscena, quatro juristas garantiram, ao Público, que a apreensão de meia dúzia de livros que na capa contêm a reprodução de uma obra de Courbet representou «uma falha monumental» da PSP «no campo da cultura», e um episódio que, segundo eles, «identifica o baixo nível cultural» da dita. Também o deputado António Filipe, do PC, não teve dúvidas de que o episódio de Braga foi ridículo «do ponto de vista cultural», por ser tratar, segundo ele, «de um quadro mundialmente célebre», como tal conhecido do Minho ao Algarve. Ora, eu gostaria de dizer, sobre isto, duas coisas. Distinguiriam os ilustres juristas e o sr. deputado A Origem do Mundo da mais corriqueira pornografia caso não fosse tanto alarido? Com vossas licenças, duvido. Depois, qual é a diferença entre A Origem e o que vulgarmente se designa por pornografia? Como os srs. juristas e o ilustre deputado muito bem sabem, bater na PSP é barato e tem sucesso garantido, mas as razões não me convencem. Dizer que foi um atentado à liberdade de expressão o episódio de Braga é um exagero, mas ainda vá. Já aproveitar a ocasião para tecer considerações de índole artístico-cultural, acusando os agentes da polícia de ignorantes para cima por não conhecerem o artista e as suas obras, é um manifesto exagero — além de ser duvidoso que os cavalheiros tenham, sobre a matéria, autoridade para chamar ignorante a quem quer que seja. Descontando os lugares-comuns e a sobranceria com que os proferiram, por si só indicadores de parcos conhecimentos sobre o assunto, não disseram nada que um agente da PSP mais expedito não fosse capaz de dizer. [Originalmente publicado em 11-3-2009]
HOLOCAUSTO. Negar o Holocausto, só por ignorância ou má-fé. Se o primeiro motivo não é aceitável, o segundo é abominável. Dito isto, discordo frontalmente da ideia de que negar (questionar, minimizar, manipular, etc.) o Holocausto é «intolerável», como ainda há pouco disse Bento XVI, embora se desconheça até onde poderá ir o que o Papa considera «intolerável». Goste-se ou não da ideia, parece-me óbvio que um cidadão do «mundo livre» tem o direito de negar o Holocausto, como tem o direito de negar que o Homem foi à Lua, que Hitler tenha existido, ou que Estaline não foi o facínora que se sabe. Por ignorância, por má-fé, pelo que for. É que, por mais voltas que se dê, uma proibição deste teor tem um nome: atentado à liberdade de expressão, para mim mais grave que dizer-se o que se diz do Holocausto. E a liberdade de expressão inclui, naturalmente, dizer asneiras, incluindo asneiras que podem ofender, como no caso do Holocausto. Isto por uma questão de princípio. Na prática, devo dizer que ainda acho pior. Como julgo evidente, a proibição seria (é, nos casos onde existe) uma medida contraproducente. Por todas as razões conhecidas, e porque os judeus já inspiram ódio que chegue. Se fizerem questão de calar quem põe em causa o Holocausto, calem-nos com argumentos — ou, então, com os tribunais. Se nada disso for bem-sucedido, deixem-nos falar. [Originalmente publicado em 19-2-2009]
DA LIBERDADE. Como seria de esperar, as declarações do cardeal-patriarca de Lisboa a propósito do casamento entre cristãos e muçulmanos deram azo a reacções da malta do costume, pelas razões do costume. Segundo eles, D. José Policarpo foi longe de mais, pois não devia generalizar situações que estarão longe de se poderem generalizar. Curiosamente, a questão da mulher no Islão, mais precisamente a falta de liberdade da mulher no Islão e a violência a que é sujeita, nunca lhes mereceu o mais leve reparo. Avisar as católicas para o «monte de sarilhos» a que poderão estar sujeitas caso decidam casar com muçulmanos, como fez o cardeal Policarpo, é, para eles, inaceitável. Mas já é aceitável a violência sobre as mulheres muçulmanas, sobre a qual nunca se pronunciam a pretexto de que a cultura delas é assim, e há que respeitar a cultura delas. Caí na asneira de criticar Bento XVI por causa de um discurso que ele proferiu numa universidade alemã (considerei então que o Papa fez uma provocação desnecessária aos muçulmanos), mas não volto a cair noutra. Digo asneira porque o Papa não deve inibir-se de dizer o que pensa por receio de consequências, pois do Papa espera-se que diga o que pensa — e a regra aplica-se, naturalmente, ao cardeal Policarpo. Sobretudo quando estão em causa os valores da cultura ocidental (a nossa), que não caíram propriamente do céu, e que ficam em causa sempre que nos calamos perante situações que requerem denúncia, que nos rendemos ao politicamente correcto, que pedimos desculpa por existir. Como, aliás, muito bem demonstrou o episódio dos cartoons publicados por um jornal dinamarquês, que deu no que deu e causou mais estragos à liberdade de expressão do que possa parecer. Ceder em valores que temos por essenciais, é abrir caminho para nos exigirem ainda mais. Como diz o ditado, quanto mais a gente se abaixa, mais se vê o rabo. Escusado será dizer o que virá a seguir se entrarmos por esse caminho. [Originalmente publicado em 28-1-2009]
PACIFISTAS. Lembram-se do autarca que ameaçava puxar de pistola caso alguém lhe falasse de cultura? Pois apetece-me fazer o mesmo quando ouço falar de pacifistas. É que eu espero dos pacifistas o que me parece normal esperar deles: que defendam incondicionalmente o fim da guerra, seja a guerra qual for, e isso raramente acontece. Em vez de defenderem a paz, os pacifistas limitam-se a condenar uma das partes em conflito, a quem exigem que pare de agredir a outra. Pior: as vítimas inocentes de uma guerra nunca são, para eles, iguais. Se forem palestinianos ou iraquianos, saem à rua a protestar. Se forem israelitas ou americanos, calam-se muito caladinhos. Onde estavam os pacifistas quando os palestinianos se matavam uns aos outros? Que me lembre, não tugiram, nem mugiram. Pior outra vez: se pudessem, não hesitariam em pegar em armas e combater uma das partes, no caso presente Israel, mas o exemplo podia ser outro. O presidente iraniano prossegue o programa nuclear apesar das sanções da ONU e da condenação generalizada e ainda lhe sobra tempo para ameaçar varrer Israel do mapa — e os pacifistas não se ouvem. Mas já se ouvirão caso ganhe consistência a hipótese de um ataque israelita ao Irão, mesmo sabendo os pacifistas que Israel tem uma ameaça real sobre a sua cabeça, e que seria um suicídio nada fazer de forma a travar Ahmadinejad. Claro que há quem seja genuinamente pacifista, mas esses não são para aqui chamados — e, infelizmente, não contam. Falo dos pacifistas para quem a paz não é um fim mas um meio de alcançar outros objectivos, evidentemente que nem todos recomendáveis, e infinitamente menos importantes que a paz. Falo dos pacifistas que só se distinguem dos fundamentalistas que se fazem explodir por aquilo em que acreditam porque os pacifistas se limitam a legitimar estes comportamentos e as suas causas. Infelizmente, os pacifistas servem, apenas, para incendiar, ainda mais, os conflitos pelos quais juram ralar-se, quando deles se esperaria que contribuíssem para lhes pôr fim. Pena é que nem todos percebam as razões que os movem, e que ainda lhes atribuam um estatuto que não merecem. [Originalmente publicado em 7-1-2009]
PAPAGAIOS. Qualquer pedante com pretensões de passar por culto sabe de ciência certa que ler é importante, ouvir música erudita essencial, e que a pintura devia fazer parte da formação de qualquer um. Não sabe muito mais do que isto, mas sabe isto, que em lugares-comuns ninguém o supera. É vê-lo como exibe a «erudição» sempre que, para aflição dele e desgraça de quem o ouve, as circunstâncias o obrigam a elogiar um livro ou escritor, a frequentar um concerto ou exposição — pois é fundamental demonstrar que se interessa pelas «coisas do espírito». Se o escritor estiver coberto por sete palmos de terra, elogia-lhe a obra (que nunca leu), e, se for preciso, visita-lhe a campa; se o compositor for contemporâneo, desdenha-lhe da obra (que nunca ouviu), e, se for preciso, enterra-o vivo. A não ser, claro, que a vítima se apresente recomendada «pelas melhores famílias». Nesse caso, muda de posição enquanto o diabo esfrega um olho, e sem a mais leve resistência. Reparem que falo de posição, não de opinião. É que mudar de opinião implica tê-la, e o sujeito não se distingue por ter opiniões, muito menos opiniões extraídas da sua própria cabeça. Antes pelo contrário. O pedante distingue-se por «pensar» o que pensa quem conta, o que mandam as circunstâncias, o que é politicamente correcto pensar-se. Infelizmente, sei, por experiência própria, do que falo, embora preferisse gabar-me de não saber. Perguntar-me-ão o que é, afinal, um pedante. Segundo o dicionário, um pedante é um pretensioso, um afectado, um impostor, um sujeito que faz ostentação de conhecimentos que não tem. Um pedante, acrescento eu, é um personagem que vive da fachada e para a fachada, uma espécie de lojista que investe tudo na montra e descura o armazém, uma criatura que passa a vida a pôr-se em bicos de pés de forma a mostrar a altura que, obviamente, não tem. Um pedante é um papagaio quase tão bom a imitar como o verdadeiro papagaio, que o verdadeiro papagaio me desculpe a comparação. [Originalmente publicado em 11-12-2008]
DA IMPUNIDADE. Toda a gente viu as fotografias onde Leonor Cipriano aparece com o rosto repleto de hematomas, que terão resultado de uma queda nas escadas da prisão onde estava detida. Como o acto pelo qual foi condenada não mereceu a comoção de ninguém, olhou-se para as fotografias, concluí-se que a história não estava bem contada, mas ninguém fez perguntas. Pior: como Leonor é uma pobre coitada, ninguém prestou a atenção que se prestaria caso se tratasse de alguém com poder de fogo. Mas as fotografias que por aí circulam levantam algumas dúvidas. Por exemplo, quem acredita que os hematomas resultaram de uma queda nas escadas? Evidentemente que ninguém. A própria médica que a observou já disse não acreditar nesta versão, e fez questão de lembrar que os hematomas não foram, apenas, no rosto. Segundo ela, os hematomas estavam por todo o corpo — no rosto, no peito, nas costas, nos braços, nos joelhos. Mas disse mais a médica da prisão de Odemira: cair nas escadas «é uma fatalidade nacional», pois «já no tempo da PIDE era assim». Assim sendo, resultaram de quê os hematomas? Eis a pergunta que eu gostaria de ver respondida pelo tribunal que julga o caso. Infelizmente, vou ter que esperar sentado, que a Justiça já me habituou a nada esperar dela. Certamente invocando falta de provas, o tribunal não confirmará, de novo, o que está à vista de todos. E o que está à vista de todos é que Leonor Cipriano foi espancada quando esteve à guarda da polícia, e quando digo espancada estou a ser benevolente. Fosse outra a vítima, tivesse ela os meios para se defender que têm, por exemplo, alguns mariolas que se passeiam por aí, e teríamos novela. Como não é assim, o caso só pode acabar na prateleira, e fim de conversa. Como, aliás, muito bem sabe quem a convenceu a contar a história das escadas, que anos de prática certamente hão-de ter-lhe ensinado que bater nos fracos não tem consequências. Se esta história tivesse moral, a moral só podia ser esta: há uma polícia para os ricos, outra para os pobres. Como, aliás, sucede com a Justiça, e a coisa é tão evidente que só não vê quem não quer. [Originalmente publicado em 19-11-2008]
O MAL MENOR. Ainda falta uma semana e tudo pode acontecer, mas arrisco dizer que votarei Obama nas Presidenciais da próxima terça. Chego ao senador do Illinois por exclusão de partes, no caso exclusão de McCain, que não me parece o líder capaz de provocar a catarse que o país espera e necessita, e porque arrepia só de pensar que a sra. Palin o pode substituir (McCain tem 72 anos e um historial médico que não se pode negligenciar). Reconheço que a expectativa em torno do candidato democrata é muito exagerada, mas a verdade é que o país quer mudança, e Obama é o que melhor corporiza essa vontade de mudança. Mais: o mundo espera mudanças na América, como a viagem de Obama à Europa bem demonstrou e a imprensa internacional todos os dias confirma, e vê em Obama o garante dessas mudanças. A mera promessa de que algo vai mudar, naturalmente mudar para melhor, é, por si só, positivo, mesmo que nada mude de substancial. É preciso ver que Obama representa a esperança de milhões de americanos que a perderam e que, graças a ele, voltaram a acreditar, e também não se pode esquecer que Obama se apresenta como o líder capaz de romper com «o sistema», entenda-se por «sistema» aquilo que se quiser. Se isto não basta para ser eleito, ou para ser bem-sucedido caso for eleito, ajuda muito. Dito isto, devo acrescentar que não espero nada de especial do candidato, muito menos grandes mudanças (romper com o «sistema» é pura demagogia), e julgo desnecessário dizer que voto nele sem grande entusiasmo. Tenho dúvidas, por exemplo, na área económica, não simpatizo com a generalidade das posições no que respeita à política externa (que ninguém sabe bem quais são), e não fiquei convencido em questões como a energia ou a segurança — embora não duvide que o pragmatismo, cada vez mais a minha «ideologia», falará mais alto caso seja eleito. Os apoios de Mário Soares e Ana Gomes, bem como de Michael Moore e Fidel Castro, também não ajudam, pois estão sempre a lembrar-me que não estou bem acompanhado. Mas não tenho a ilusão de que estaria mais bem acompanhado caso escolhesse McCain. Aliás, em política cada vez tenho menos ilusões. Há muito descobri que os melhores não estão, necessariamente, do nosso lado, e ainda bem que assim é. Assim sendo, e apesar das reservas, resolvi conceder a Obama o benefício da dúvida, porque Obama me parece o mal menor. Isto porque considero que os candidatos têm mais defeitos que virtudes, ao contrário do que diz por aí. Mas conto dormir descansado caso ganhe McCain. [Originalmente publicado em 28-10-2008]
MANJEDOURAS. Como saberá quem me lê com frequência, sou sensível às artes, às letras e às ideias. Prezo, portanto, os seus praticantes, naturalmente mais uns do que outros, e mais as obras que os seus autores. Dito isto, a notícia de que artistas (chamo-lhe artistas para simplificar) habitam casas do município lisboeta que lhe foram atribuídas ninguém sabe como e onde vivem em condições que mais ninguém tem, aliada à tese de que é normal o Estado (ou autarquias) albergar os artistas ou ceder-lhes património público de borla, ou quase de borla, devia, por isso, deixar-me indiferente, talvez achá-la normal. Como já perceberam, não fico indiferente, nem acho normal. Não me escandaliza que os poderes públicos decidam, excepcionalmente, ajudar um artista na miséria, por considerarem que o artista na miséria produziu obra importante para o país (ou município), e que o país (ou município) ficou, de algum modo, em dívida com ele. Mas já me escandaliza a chusma de artistas a viver a expensas públicas, e que, confrontados com a evidência, ainda tenham o desplante de dizer que não vêem mal nisso. Falo das casas do município alfacinha, mas podia falar da generalidade dos artistas que vivem à custa dos dinheiros públicos (de todos nós, portanto), muitos deles enquanto alegremente vão produzindo coisas que ninguém ouve, ninguém vê e ninguém quer saber, evidentemente que, segundo eles, devido à ignorância dos portugueses em coisas do espírito. Nada contra os artistas pretenderem estar bem na vida, calma aí. O meu problema é que eles usufruem de benefícios que o resto dos cidadãos nem imagina que existem, e que alguns ainda se achem no direito de fazer exigências, acusando o país de não os merecer, ameaçando ir-se embora. Tenho saudades do tempo em que os artistas não tinham onde cair mortos, reconheço. Do tempo em que se ouviam histórias de actores que cravavam notas de vinte para tratarem das barriguinhas, de músicos que inventavam esquemas mirabolantes de modo a adiar o pagamento da renda, de escritores a viver a expensas de amigos e amantes — e que, notem bem, nem por isso deixaram de ser artistas e de produzirem as obras que lhe conhecemos. Ser pobretanas, hoje em dia, deixou de ser «sexy», para usar uma expressão muito em voga. Podem não produzir nada que exceda a mediania, mas não se privam de mordomias, incluindo mordomias que um pingo de ética bastaria para as rejeitar. Nada contra, insisto, mas desconfio que a qualidade do que produzem é proporcional ao tamanho da manjedoura. Desconfio, para ser mais preciso, que quanto maior é a manjedoura, menor é a obra que produzem. [Originalmente publicado em 16-10-2008]
FÁTIMA FELGUEIRAS. Tomem nota: Fátima Felgueiras, ilustre autarca da cidade com o mesmo nome, foi acusada de 23 crimes — cinco de participação económica em negócio, seis de corrupção passiva para acto ilícito, quatro de abuso de poder, três de prevaricação, dois de peculato, dois de peculato de uso sob a forma continuada, e um de peculato sob a forma continuada. Posteriormente, o Ministério Público entendeu retirar-lhe nove acusações, pedido prontamente atendido pelo tribunal. Refeitas as contas, Fátima Felgueiras vai a tribunal responder por 14 crimes. E o que vai o tribunal decidir sobre estas acusações? Se tudo correr conforme o habitual, vai decidir que Fátima Felgueiras não é culpada de nenhum dos crimes de que é acusada, e uma semana depois do veredicto exigirá uma indemnização ao Estado. Exagero? Veremos se exagero. Só mais uma coisa: lembram-se daquele sujeito que dizia que a perda de uma vida humana era uma tragédia, mas que a perda de um milhão de vidas humanas era estatística? Pois bem, salvo as devidas distâncias, o princípio mantém-se actualíssimo, e aplica-se inteiramente à Justiça que temos. É que a Justiça que temos demonstra que um cidadão acusado de um crime acaba na cadeia, e um cidadão acusado de dezenas de crimes acaba indemnizado pelo Estado. Sim, a lei diz que todos são inocentes até prova em contrário. Fátima Felgueiras é, portanto, inocente até prova em contrário. Aliás, ainda se há-de provar que nunca viajou para o Brasil, como as televisões largamente mostraram. Pior: ninguém se espantará caso isso suceda, que a Justiça portuguesa já não espanta ninguém. Estarei na primeira fila a fazer mea culpa caso o veredicto revele que me enganei. [Originalmente publicado em 24-9-2008]
E AS CRIANÇAS, SENHOR? Se é verdade que Paulo Pedroso nada teve a ver com aquilo de que foi acusado, a Justiça teve, de facto, um comportamento miserável, e jamais o ressarcirá dos danos (políticos, profissionais, pessoais) que lhe causou atribuindo-lhe uma indemnização de 100 mil ou de 100 milhões. Posto isto, importa, a propósito, perguntar: o que é feito das crianças da Casa Pia, hoje jovens ou adultos, que em tempos foram vítimas de pedofilia? Ninguém se indigna? Será que ainda correm o risco de acabar na prisão por terem denunciado quem delas abusou? Sim, porque houve arguidos que as ameaçaram com processos caso insistissem em os acusar, e certamente que a maioria não teve os meios para se defender que tiveram, por exemplo, alguns dos que ameaçaram lixá-los pela segunda vez. Pode ser que se tenham conformado, que tenham esquecido o episódio, e que nada mais lhes suceda. Pode ser que tenham metido na cabeça que há sujeitos perante os quais as leis se afastam para eles passarem, como diria Eça, e com quem é prudente não se meterem. Para bem deles, para bem de quem abusou deles, para bem de quem cuida deles, para bem das nossas delicadas consciências. Mas não pretendo com isto dizer mais do que disse, calma aí, e repito o que disse no início as vezes que for preciso. Acontece que me chateiam as indignações selectivas, e que o processo Casa Pia caminhe, rapidamente, para a impunidade total. Chateia-me o silêncio que se abateu sobre as vítimas e a indiferença generalizada, e que os comentários sobre o caso Pedroso não refiram, uma única vez, as vítimas, até ver os alunos da Casa Pia. Chateia-me, por último, saber que o assunto há muito estaria encerrado e os culpados na cadeia caso fossem outros os protagonistas. [Originalmente publicado em 5-9-2008]
UMA TRAGÉDIA. É fácil e barato fazer juízos de valor sobre a actuação das forças de segurança em situações-limite como a que se verificou no assalto a uma agência bancária de Campolide e a que ontem ocorreu em Loures, de que resultou a morte de uma criança. As forças da autoridade têm, em casos destes, de decidir como agir em fracções de segundo, e há sempre imponderáveis difíceis de prever ou controlar, por mais competentes e experimentados que sejam os agentes das forças de segurança. Assim sendo, umas vezes as coisas correm bem, como no caso da agência bancária; outras vezes correm mal, como no caso de Loures — num caso e noutro, porém, independentemente da competência ou da incompetência. Mas se isto me parece uma evidência a ter em conta quando se procura entender o que se passou, também é bom que se questione o papel das forças de segurança sempre que do desempenho da sua actividade resultam mortes, de bandidos ou de inocentes. Por exemplo, era mesmo necessário recorrer à força extrema para travar um caso de pequena criminalidade? Depois, se a ideia era imobilizar a viatura onde seguiam os fugitivos, como justificar que um disparo contra uma roda tenha acabado nas costas da vítima? Detesto dar razão a Fernando Rosas, mas ele parece tê-la quando diz que estamos perante o «uso desproporcionado e aparentemente incompetente» de armas de fogo. Tanto mais que havia, segundo a Lusa, «uma recomendação da Inspecção-Geral da Administração Interna» alertando as forças de segurança para o facto de só poderem utilizar armas de fogo «durante uma perseguição», e «quando está em perigo a vida dos agentes ou de terceiros». Resta esperar que a tragédia de Loures não tenha resultado do excesso de entusiasmo motivado pela bem-sucedida operação de Campolide, mais precisamente de mão leve no gatilho. É que, a ser assim, seria muito mais que uma tragédia: seria um crime. [Originalmente publicado em 12-8-2008]
PENSAMENTO ÚNICO. Tenho o péssimo hábito de me bater por aquilo em que acredito, ignorando timings, circunstâncias e eventuais prejuízos. Digo péssimo hábito porque esta prática só me traz prejuízos, e de dissabores é melhor nem falar. Como saberá quem sofre do mesmo mal, o acto de opinar é, quase sempre, visto como um delito, na melhor das hipóteses uma excentricidade tolerada, apenas, a alguns. Pior só quando a opinião vem de quem pensa pela sua própria cabeça e, ainda pior, ousa dizer o que pensa, pois há quem ache isto intolerável. Contrariamente ao que possa parecer, não são poucos os que não hesitariam em decretar o pensamento único (o deles, claro) caso tivessem poder para tal. É que contestar uma ideia dá trabalho, e são necessários argumentos. Já calar quem não pensa como nós, ou recusar discutir uma ideia com quem não pensa como nós, dá menos trabalho, e sempre permite esconder a incapacidade de quem não consegue impor-se pela força dos argumentos, quase sempre a origem do problema. Há, ainda, outro factor a considerar: é frequente contestar-se quem opina, em vez do que é opinado. Como se as opiniões valessem, ou não, por quem as defende, não pelo que defendem. Mas devo dizer que nada disto impede de me bater por aquilo em que acredito, e por vezes funciona como um estímulo. Até porque burro velho não aprende línguas, nomeadamente quando a vontade é pouca, e a motivação nenhuma. [Originalmente publicado em 30-7-2008]
MORALISTAS DA BOLA. Não deve haver um único português que não acuse a televisão de prestar demasiada atenção ao que não lhe interessa — e, por consequência, pouca ao que lhe interessa. Naturalmente que a televisão do Estado é o alvo principal, porque a televisão do Estado tem obrigações que as outras não têm, e porque todos nos achamos no direito de protestar quando se trata de serviços que vivem à custa dos nossos impostos. Aliás, falar mal da televisão sempre foi, em Portugal, um desporto nacional, embora eu não esteja seguro de que o «fenómeno» seja, apenas, português. O Europeu de Futebol, e a previsível overdose de bola nas televisões, deu azo a protestos por parte de alguma opinião publicada, à esquerda e à direita, a meu ver tão exagerados quanto o exagero das televisões. Digo exagerados porque os argumentos invocados foram, por regra, demagógicos, e a demagogia raramente alcança o que pretende. Isto para não falar da sobranceria com que abordaram o futebol e quem gosta de futebol, que geralmente tomam por gente pouco instruída, e o povo, por regra ignorante, causa-lhes repugnância. Não fossem algumas figuras respeitáveis assumirem o prazer da bola, e estaríamos fritos. Digo «estaríamos» referindo-me aos que, como eu, acompanham o «fenómeno futebolístico» com moderação, e com mais distância que paixão. Mas devo acrescentar que respeito a generalidade dos «moralistas da bola», e por alguns tenho, até, admiração. Só que as críticas são exageradas, e exageros são isso mesmo — e não levam a lado nenhum. Antes pelo contrário. São bem capazes de resultar no contrário do que pretendem, embora no caso em apreço não haja razões para lamentar. [Originalmente publicado em 25-6-2008]
UMA LIÇÃO. Como estarão lembrados, o Futebol Clube do Porto (FCP) foi condenado a perder seis pontos porque o órgão disciplinar da Liga de Clubes entendeu que o clube nortenho cometeu um crime de corrupção na forma tentada. Como se viu mal a decisão foi conhecida, o FCP acatou o castigo praticamente sem comentários, e logo anunciou que não tencionava recorrer. E por que razão assim foi? Aparentemente, pelas razão que todos suspeitam: o FCP não perdeu nada no plano desportivo, e no plano financeiro 150 mil euros de multa nem atrasam, nem adiantam. Digo aparentemente porque não me lembro de ter visto qualquer reacção do FCP, na minha opinião um erro crasso. Por uma razão muito simples: a postura do FCP não deveria pautar-se por meras razões contabilísticas, mas por uma questão de princípio. É sabido que quem cala consente, pelo que a decisão de não recorrer do castigo não pode deixar de ser vista, também, por esse lado. Isto, claro, partindo do princípio que o FCP se julga inocente e discordou da decisão da Liga, como sucedeu com o castigo imposto a Pinto da Costa, que logo anunciou recurso. Bem sei que não se pode exigir ao FCP que seja um modelo de virtudes, mas uma instituição que pretende ser respeitada devia começar por dar-se ao respeito. E dar-se ao respeito implica, a meu ver, protestar quando for caso disso, se necessário forte e feio — como, aliás, é tradição do FCP. Como nada disso ocorreu, como o pragmatismo falou mais alto que os princípios, o episódio prestou-se em demasia a leituras que não abonam o clube nortenho. Certamente que a UEFA, que acaba de suspender o FCP das competições europeias, não deixou de ter isto em consideração. Aliás, nem se compreenderia que assim não fosse. Como os patrões do futebol europeu não costumam ter contemplações quando se trata de disciplina, a coisa só poderia dar no que deu. Resta esperar que os dirigentes do FCP, e do futebol português em geral, aprendam a lição. [Originalmente publicado em 4-6-2008]
RACISMO. Como seria de esperar e os últimos desenvolvimentos confirmam, as Presidenciais americanas de Novembro vão agitar o espantalho racial, e cada vez me convenço mais que a questão pode tornar-se determinante para o desfecho do resultado. Essencialmente por duas razões: há demasiados afro-americanos que não se conformam com o facto de Obama não se assumir como o candidato deles (o caso do pastor Wright é um bom exemplo), e outros pretendem que o senador do Illinois passe por ser o candidato dos afro-americanos, ou sobretudo dos afro-americanos, pois sabem que os afro-americanos, sendo minoria, não bastam para o eleger. (O facto de Hillary Clinton ainda há pouco ter dito que tem o apoio dos white americans certamente que não foi por acaso.) Ou muito me engano, ou não tarda que a questão racial transborde das candidaturas e se generalize à sociedade americana, coisa que, a suceder, poderá tornar-se explosivo. É que eu estou convencido de que uma discussão destas numa altura destas servirá, apenas, para entrincheirar ainda mais quem já está entrincheirado, e não para esbater racismos latentes (ou reprimidos), como seria desejável. Contrariamente ao que possa parecer, o racismo, na América, está demasiado vivo para que o possamos subestimar, e agitá-lo numa altura destas, além de irresponsável, é perigoso. Infelizmente, a questão é mais complexa do que aponta Ferreira Fernandes, quando diz, com razão, que há demasiados «negócios» que dependem da América racista (como o do pastor Wright, por exemplo). É que os «negócios» alimentam, apenas, a freguesia habitual, e o «mercado» de que falo é muito mais vasto — e mais perigoso. [Originalmente publicado em 14-5-2008]
JARDIM. Há, no Brasil, uma expressão muito usada para caracterizar os detentores de cargos políticos com obra feita mas pouco escrupulosos nos métodos que diz o seguinte: «Rouba, mas faz.» Isto mesmo se poderia dizer de Alberto João Jardim caso substituíssemos o «rouba» pelos frequentes atropelos à democracia e pelos constantes insultos aos titulares dos órgãos de soberania. De facto, não há uma única vez que Jardim pise o risco que não venham logo com um «mas», como se a obra (que todos lhe reconhecem) lhe desse o direito de pisar o risco. Pior: parece que Jardim se tornou inimputável, faça ele o que fizer, diga ele o que disser. Ainda pior: o dirigente madeirense é manifestamente incapaz de encaixar uma crítica mais desabrida, como as decisões dos tribunais bem o demonstram. Ora, eu quero dizer, pela enésima vez, que as tropelias de Jardim me indignam, e ainda me indigna mais que lhe reconheçam coragem para dizer o que diz, como se o presidente da Madeira não soubesse de antemão que não haverá consequências. Afirmar, como há pouco afirmou, que os deputados da assembleia madeirense são um «bando de loucos», ultrapassa, de novo, os limites, como concordará qualquer pessoa com um pingo de bom senso. Claro que estou a chover no molhado, pois tenho o (péssimo) hábito de me bater por aquilo em que acredito quando todas as circunstâncias o desaconselham. Aliás, o silêncio do Presidente da República sobre este assunto, a pretexto de que o silêncio é mais eficaz, é só mais um aviso, e só vem demonstrar que não tenho emenda. Mas já não estou tão seguro que atitudes destas não tenham, a prazo, consequências, no caso consequências indesejáveis. Afinal, o mal que se diz dos políticos quase sempre resulta dos erros que eles cometem, e atitudes como esta só contribuem para tornar as coisas ainda pior. Em vez de fazerem de conta que não viram, os políticos deviam ser os primeiros a insurgir-se contra estes comportamentos, nomeadamente os detentores de órgãos de soberania. O silêncio, em casos destes, não pode ser a alma do negócio, pois cria mais problemas do que resolve. [Originalmente publicado em 21-4-2008]
O DESCALABRO. A Justiça portuguesa chegou a um ponto em que já ninguém se espanta com nada. Não houve, nos últimos tempos, um único caso mediático em que a Justiça se tenha saído bem, e quando a Justiça não é capaz de fazer bem quando todos os olhos estão postos nela imagina-se o que sucede quando os casos que tem em mãos não são notícia. A Justiça não é capaz de punir o crime mais evidente quando os arguidos são «importantes». Pior: não absolve quem está inocente, deixando no ar um clima de suspeição generalizada que a todos condena. Ele é a Casa Pia que se arrasta há séculos e não tem fim à vista; ele é o caso McCann que nos envergonha lá fora e nada resolve cá dentro; ele é o caso Joana que levanta dúvidas acerca dos métodos utilizados pelos investigadores; ele é o Apito Dourado que vai dar em nada; ele é o caso Bexiga em que a polícia não fez o que devia e ainda ameaça a vítima; ele é Isaltino que quer decidir quem deve julgá-lo; ele é a dona Fátima que já viu prescreverem vários crimes de que foi acusada. Como não bastasse, os agentes da Justiça não se coíbem de vir à praça pública falar mal uns dos outros, opinar sobre penaltis, e alimentar uma guerra paroquial que ninguém entende. Claro que as cadeias estão cheias de gente, o que sempre dá a ideia de que a Justiça funciona — embora, é claro, não se possa medir a eficácia da Justiça pela quantidade de gente que mete na cadeia. Funciona, claro está, para os pequenos, para quem não pode escapar-lhe, mas funciona. Tal como funciona a cobrança dos impostos para quem não pode fugir-lhes, que aqui a Justiça sempre demonstrou uma extraordinária eficácia. Quem viu o Prós e Contras onde o assunto foi discutido só pode concluir uma coisa: a Justiça está pior do que se imaginava. Basta, aliás pegar nas mais recentes declarações de alguns dos seus protagonistas. Por exemplo, nas palavras do advogado Ricardo Bexiga, que diz que a Justiça só funciona com os pequenos. Nas palavras de Moita Flores, que diz que a Judiciária está num caos. Nas palavras do presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, que diz que a PJ «está paralisada». Nas palavras do director-adjunto da Judiciária do Porto, que diz que «a justiça não funciona neste País». Como vêem, não estou a inventar nada. E, se eles o dizem, quem sou eu para duvidar? [Originalmente publicado em 1-4-2008]
PROFESSORES. É extraordinário como a Oposição cavalgou a onda dos professores sem dizer uma palavra sobre os motivos que os levou ao protesto. Por junto, tudo o que lhe ouvimos foram generalidades, tornando-se evidente que a ideia da Oposição foi apanhar o comboio do protesto contra o Governo a qualquer preço. Ao menos ficamos a saber que os partidos da Oposição, nomeadamente os partidos que aspiram a ser Governo, deixarão, em matéria de Educação, tudo na mesma caso venham a ser Governo, pois deixaram de ter qualquer autoridade para fazer as mudanças que se impõem. Claro que ninguém pode ignorar a multidão que saiu à rua, a forma politicamente correcta de se dizer que a rua tem sempre razão. Ninguém, a começar pelo Governo, que até já disse pretender melhorar a avaliação dos professores, e acaba de descobrir as vantagens da «flexibilização». Mas eu, que não mudo ao sabor das conveniências, não fiquei impressionado com a rua, nem vejo razões para mudar de ideias. Como já disse e repeti, se todos os métodos de avaliação dos professores até agora propostos são maus, por que não apresentam os professores uma proposta de avaliação? Mais: alguém conhece as propostas de avaliação dos sindicatos dos professores? Sim, também já ouvi que os professores não estão contra a avaliação, mas contra esta avaliação. A frase soa bem, não há dúvida que soa, mas só convence os distraídos. Os professores estarão, sempre, contra a avaliação, qualquer que seja a avaliação, a não ser que ela, na prática, não avalie coisa alguma. Há muito que se percebeu que os professores querem ser eles, e só eles, a decidir o que deve ser feito e como deve ser feito, não só na área que lhes diz directamente respeito, mas na Educação em geral. Por razões que todos conhecem e se compreendem quando se olha para eles enquanto pessoas que, como as outras, têm contas a pagar ao fim do mês, mas que não podem ser obstáculo quando está em causa a melhoria das escolas e dos alunos, o bem de todos. Para os professores, a culpa é sempre do Ministério da Educação, do ministro da tutela, do Governo. De todos os ministérios, de todos os ministros, de todos os Governos pós-25 de Abril. Falo, claro, da regra, que ele há professores que não pensam assim e querem ser avaliados, embora, há que dizê-lo, sejam a minoria. Evidentemente que os professores têm razões para sorrir após o sucesso da recente manifestação. Já os pais e os alunos, não me parece que tenham. Não, não pretendo diabolizar os professores, nem culpá-los pelo que vai mal no ensino — embora, é claro, há culpas que lhes cabem que nunca vi assumidas. Pela paz podre que por aí vai e pelo oportunismo político tão descarado como irresponsável, já me contentava que não os canonizassem. [Originalmente publicado em 12-3-2008]
OBAMA. O crescente apoio dos americanos à nomeação de Barack Obama como candidato do Partido Democrático significa, antes de mais, uma coisa simples: os americanos estão fartos de políticos do passado, quer do Partido Democrático, quer do Partido Republicano. Se mais consequências não resultarem da sua pré-candidatura — isto é, se não for o escolhido pelos Democráticos para disputar as Presidenciais —, a candidatura do senador do Illinois já teve o mérito de lembrar essa evidência. É verdade que Hillary Clinton tem mais experiência política que o jovem senador, e a experiência política é um bem que convém não desprezar. Mas a experiência não é, por si só, um trunfo. Aliás, pode ser um obstáculo, como de algum modo demonstra o entusiasmo à volta da candidatura de Obama — além de que, seguindo este princípio, jamais se votaria na Oposição, pois é sabido que quem está no poder tem, por regra, mais experiência. O facto de o candidato afro-americano nunca ter usado a sua origem como matéria de campanha terá, também, contribuído para o entusiasmo à sua volta. Não digo que Obama será o meu candidato, até porque não se sabe se será, de facto, candidato. Não digo, sequer, que será o candidato mais bem colocado para bater John McCain a 4 de Novembro. Digo, sim, que Obama trouxe muita gente de volta à política, demonstrou ser capaz de entusiasmar uma juventude cada vez mais desinteressada da política, e tornou-se uma esperança que os apoios dos diversos quadrantes bem demonstram. E isso, convenhamos, não é pouco. [Originalmente publicado em 29-2-2008]
BATER NO CEGUINHO. Confesso que já não tenho paciência para essa de que os políticos são mal pagos. Se é verdade que os políticos são mal pagos (e não me custa reconhecer que, em alguns casos, são mal pagos), por que razão são mais que as mães os candidatos aos cargos políticos? Por que razão, por exemplo, há tanta polémica à volta da constituição das listas de candidatos a deputados sempre que há eleições legislativas? Não, não acho que esteja a ser demagógico ou populista, que a realidade está aí para o demonstrar. Dir-me-ão que na política a escassa remuneração afasta os melhores. Responderei que não há regra sem excepção. Também não me custa admitir que o Estado pudesse melhorar o seu desempenho em algumas áreas caso elas fossem tuteladas por técnicos de primeira auferindo ordenados de primeira, e até já houve casos que o demonstraram. Mas, insisto, é da regra que falo. A política é uma missão e não um emprego, pressupondo sacrifícios pessoais e materiais a quem nela se mete. Ganhar menos que noutra actividade, mesmo bastante menos, parece-me normal — e pedagógico. Auferir salários equivalentes aos privados seria, isso sim, obsceno. Há, ainda, outro factor a ter em conta, tão ou mais importante que os salários. Os cargos políticos abrem portas que, mais tarde, se revelam preciosas, e se traduzem em mais-valias em proveito próprio. Daí que volte à pergunta: por que são tantos os candidatos aos cargos políticos quando se diz que são tão mal pagos? A resposta não é tão simples como parece, evidentemente. Mas certamente que a questão da remuneração não é um problema. Assim sendo, convém não bater mais no ceguinho, até porque o ceguinho não é cego de todo. [Originalmente publicado em 11-2-2008]
MORRER SAUDÁVEL. Após aturadas pesquisas, descobri, finalmente, um local onde vendem alheiras como lá da terra, e não exagero quando digo como lá da terra. (Aliás, não exagero se disser que são mais saborosas que algumas lá da terra, incluindo a terra delas (Mirandela), onde as alheiras nem sempre fazem jus à fama que têm.) Isto a propósito da recente Feira do Fumeiro de Montalegre, cujas notícias não foram animadoras. Segundo os jornais, regras mais apertadas sobre as condições de comercialização e fabrico de enchidos e produtos afins afastaram, este ano, seis dezenas de produtores de fumeiro, alegando os ausentes que a escassa produção não compensa o registo nas Finanças. Depois, as novas regras não permitem que os porcos sejam abatidos de forma tradicional, coisa que, no mínimo, aumenta os custos (transporte dos animais até ao matadouro, abate, etc.). Por último, a autoridade que fiscaliza estas coisas — a ASAE — já demonstrou que está aí para nos salvar, queiramos ou não, e é tal o zelo com que actua que chega a usar «tácticas paramilitares» ministradas por «agentes dos serviços secretos portugueses» e «forças especiais norte-americanas» (Expresso de 12.01.2008). Temos, assim, que o fumeiro artesanal tem os dias contados, e a contagem decrescente já começou. Aliás, já começou a contagem decrescente das colheres de pau, das bolas-de-berlim, do arroz de cabidela, da sopa de pedra, dos cogumelos selvagens, do cozido à portuguesa, dos biscoitos feitos lá em casa, e do mais que se imagina. A não ser, diz quem manda, que tudo esteja dentro das normas, como se os produtos artesanais não se distinguissem dos outros precisamente por não estarem dentro das normas. Resta aguardar pelos restaurantes onde se possa comer pratinhos de dobrada e outras coisas «que fazem mal», se é que já não há. Evidentemente que longe da vista das autoridades e de vigilante à porta, como no tempo da outra senhora, apesar de a recente lei do tabaco relembrar que a bufaria não se extinguiu com a outra senhora. Sou, como vêem, dos que prefere morrer devido às «comidas que fazem mal» a morrer cheio de saúde, e o risco de ser «apanhado» a degustar uma cabidela (sorrio só de imaginar) é o preço a pagar. Prometo, por isso, prevaricar até onde for possível, e desde já agradeço que me avisem mal saibam de lugares onde se possa pecar. É que ele há prazeres (aqui está uma palavra a banir dos dicionários) de que não estou disposto a abdicar, e suspeito que não deve haver pior que morrer saudável. [Originalmente publicado em 18-1-2008]
DAS BOAS INTENÇÕES. Há uma lista de pessoas a abater na noite portuense, garantiram, há meses, seguranças e polícias ao Correio da Manhã. Por aquilo que se vê, não se duvida. Aliás, quem conhece, mesmo que vagamente, a vida nocturna portuense sabe que os «empresários da noite» não são flores que se cheirem, e que facilmente associamos a actividades como o tráfico de droga, cobranças difíceis, extorsão, venda de armas, exploração de prostituição e por aí fora. Naturalmente que há excepções, mas excepções são isso mesmo — e é da regra que falo. E a regra, no caso, demonstra que a noite portuense é dominada por empresários sem escrúpulos aliados ao que há de pior, pelo que ninguém se surpreende com as recentes matanças. Surpresa, a haver, só se for por existirem tão poucos casos como os ora ocorridos, embora se suspeite que outros haverá que, por não resultarem em homicídio, nunca verão a luz do dia. Surpresa, também, não será a participação de agentes da polícia na segurança de bares e aparentados — nem, sequer, o facto de o fazerem de forma ilegal, pois há anos que ouvimos falar de polícias travestidos de seguranças a protegerem dirigentes da bola. Surpresa só o director da Judiciária do Porto quando ele disse, ao Correio da Manhã, que a noite do Porto «está sem controlo», e que «é de temer tudo». E o porta-voz do Comando Metropolitano do Porto da PSP, quando admitiu ao mesmo jornal que a situação «pode piorar nos próximos tempos», e que as autoridades nem tudo podem fazer. Surpresa porque isto é uma confissão de impotência, a capitulação anunciada — e a consequente impunidade dos meliantes. Surpresa, por último, o facto de declarações destas terem passado por normais, demonstrando que a irresponsabilidade é maior do que se julga. Dir-me-ão que a recente operação na noite portuense é um sinal de que as coisas vão mudar. Olhando a práticas passadas e ao que acabo de enunciar, duvido. Têm sido tantos os erros das polícias e dos tribunais que não se espera outra coisa que não seja mais do mesmo. As boas intenções, a haver, não bastam para que as coisas mudem, além de que de boas intenções está o Inferno cheio. [Originalmente publicado em 26-12-2007]
FALAR CLARO. Devo à crítica literária e musical parte do gosto pelos livros e pela música. Mesmo à crítica de que discordei, e à que me levou por caminhos diferentes aos que me recomendaram. Mas devo acrescentar, também, que me fartei, e hoje só raramente a leio. Reconheço a crítica das artes e das letras como uma actividade ingrata, e num país minúsculo como o nosso ainda mais difícil se torna a sua prática. Admiro, por isso, a coragem dos críticos portugueses, pois certamente que se arriscam a umas bordoadas quando não morrem de amores pelas obras que analisam. Mas finda aqui a minha admiração pela crítica. É que a crítica, às vezes (demasiadas vezes), só atrapalha, complica em vez de facilitar, distancia em vez de aproximar. Por regra, a crítica diz-nos que o crítico aprova ou não aprova, mas raramente nos explica porquê — ou nos fornece dados que permitam perceber-se porquê. Dizia não sei quem que a crítica é um exercício destinado, apenas, a fazer brilhar quem o pratica — e, não raro, a esconder a ignorância de quem o pratica. Não penso que assim seja, mas não há dúvida de que há demasiados exemplos que apontam neste sentido. E é pena, pois a crítica devia, antes de mais, iluminar o que critica, e conquistar adeptos para a causa. Falando bem ou mal, mas falando sempre com argumentos — e de modo que se entendam. [Originalmente publicado em 9-12-2007]
DESACORDO ORTOGRÁFICO. Independentemente das razões que possa haver para trocar «húmido» por «úmido» ou «facto» por «fato», o que eu gostaria de ver discutido é a necessidade de um acordo ortográfico. Unificar a língua portuguesa porquê? O embaixador Seixas da Costa defendeu, há pouco, que a harmonização ortográfica irá garantir «que da expressão diversa do português não possa vir a decorrer, a prazo, um indesejável processo de ruptura comunicacional». Ora, não vejo como. É que, a verificar-se o pressuposto, como conseguimos comunicar durante tantos anos sem um acordo ortográfico? Que obstáculos terão existido no passado que se revelaram intransponíveis? Não, não quero com isto dizer que não haja razões substanciais para se defender um acordo ortográfico. Quero dizer, apenas, que nunca as vi, e não tenho andado propriamente distraído. Gostaria, por isso, que o assunto fosse discutido como deve ser discutido, e não só por especialistas. É que eu estou pronto a render-me às evidências, mas quero certificar-me que as há. Também não acho que os portugueses são os donos da língua, e o facto de o acordo resultar em mais mudanças em Portugal que no Brasil (3% em Portugal contra 0,45% no Brasil, ao que dizem) não me perturba. O meu ponto, insisto, é que ainda não vi a necessidade de um acordo ortográfico, nem para Portugal, nem para os restantes países por ele abrangidos. Claro que, a avaliar pelo silêncio que por aí vai, nomeadamente o silêncio de quem se esperaria que dissesse alguma coisa (escritores, professores, fazedores de opinião, etc.), não adianta pedir uma discussão, pois já se viu que o acordo ortográfico é um assunto tabu. Razão tem a ministra da Cultura em pedir uma moratória de 10 anos para que Portugal tenha tempo de se adaptar às novas regras. É que, assim, evitam-se embaraços, e pode ser que daqui a 10 anos já ninguém se lembre do que foi acordado. Afinal, já lá vão 17 anos que o acordo foi aprovado sem que nada — ou quase nada — se tenha feito para o cumprir, e ainda não deixámos de falar uns com os outros ou de nos lermos uns aos outros. [Originalmente publicado em 16-11-2007]
ALDRABICES. Al Gore e Michael Moore têm uma coisa em comum: ambos se especializaram em documentários ficcionados. Quer dizer, ficcionados depois de serem detectados «factos» que, afinal, não passam de ficção, mas que teriam passado por verdades inquestionáveis caso não fossem descobertos. Há, porém, uma diferença: não consta que Moore tencione candidatar-se à Presidência dos EUA. Como não é assim com Gore, que tem uma agenda política apesar de garantir o contrário, o caso muda de figura. Repare-se no tribunal britânico que decidiu que Uma Verdade Inconveniente só pode ser exibido nas escolas inglesas na condição de os professores advertirem os alunos para as partes que não têm suporte científico. O que quer isto dizer? Evidentemente que não há duas interpretações: a «verdade inconveniente» de Gore contém erros grosseiros e mentiras convenientes (nove, segundo o tribunal). Infelizmente, nada disto importou à douta academia que lhe deu o Nobel da Paz, apesar de amplamente conhecidas as aldrabices ainda antes da decisão do tribunal. Não importou, nem surpreendeu. Afinal, como ficar surpreendido com uma instituição que premeia terroristas? Dir-me-ão que Gore trouxe para a ribalta a questão do aquecimento global, e isso, por si só, merece aplauso. Com vossas licenças, discordo. Discordo porque o assunto não está a ser tratado de forma séria, inclusive pela comunidade científica, e quando assim é o que poderia ser útil apenas serve para envenenar uma discussão que se espera — e deseja — séria. Aliás, quem, nesta altura do campeonato, e apesar do que já se disse e escreveu sobre o assunto, não tem dúvidas sobre o aquecimento global? Quem está seguro de que nos estão a dizer a verdade, e só a verdade? É que se uns não estão interessados em mudar o que aparenta estar mal, outros não hesitam em aldrabar-nos. Assim sendo, em quem devemos fiar-nos? Nos irresponsáveis, ou nos aldrabões? [Originalmente publicado em 19-10-2007]
DIRECTAS. Goste-se ou não da ideia, a eleição do líder de um partido político directamente pelos seus militantes é mais democrática que a eleição pelo método dos delegados. Tem, naturalmente, inconvenientes, mas a eleição directa dá aos militantes o poder de dizerem o que pensam — e não, apenas, o poder de escolherem quem pense (e decida) por eles, como acontece pelo método dos delegados. É provável que as últimas eleições no PSD tivessem um desfecho diferente caso o método de votação fosse outro, mas isso só vem demonstrar que o resultado teria contrariado a vontade dos seus militantes. Para quem não se cansa de dizer que os partidos estão cada vez mais distantes dos seus militantes, isto devia servir de lição. Infelizmente, a avaliar pelo desprezo com que se fala das «bases», não vai servir. O ideal, para alguns, seria que apenas os iluminados pudessem votar, e não só nas eleições partidárias. O povo é demasiado ignorante para saber o que quer, e só atrapalha. Ora, é precisamente por este pressuposto que eu prefiro o voto do povo ao voto dos iluminados, mesmo consciente dos perigos que daí possam surgir. É que eu abomino o populismo e a demagogia, mas ainda abomino mais a ideia de que o povo precisa de alguém que decida por ele. [Originalmente publicado em 5-10-2007]
MEMÓRIA CURTA. O episódio que envolveu o seleccionador nacional de futebol e um jogador sérvio foi aproveitado por uns para desopilar o fígado, e por outros para se posicionarem na corrida à sua sucessão. De facto, não há melhor altura para bater em alguém que quando esse alguém se encontra no chão, e alguns não olham a meios para chegar onde pretendem. Os últimos resultados de Portugal na corrida ao Europeu também não ajudam, e quando as coisas correm mal alguém tem que levar com o sarrafo — e o treinador é a primeira vítima. Há, ainda, outros factores. Por exemplo, o facto de Scolari ser estrangeiro e — vejam lá — brasileiro; o facto de muitos não gostarem dele por razões clubísticas ou futebolísticas; o facto de Scolari ser «teimoso» e — heresia das heresias — de não admitir intromissões no seu trabalho. Claro que há razão para críticas — e, tudo indica, algo mais. Mas que a ocasião vem mesmo a calhar, não há dúvida que vem. Curiosamente, os que agora vêm com moralismos são os mesmos que ainda ontem se reviram no murro do seleccionador, e se algum erro então lhe apontaram não foi o ter-se excedido. Claro que isto, agora, só atrapalha. O que interessa, agora, é um bode expiatório, vazar o ódio acumulado durante anos, e Scolari pôs-se a jeito. Naturalmente que as desculpas lhe ficam bem, mas servem de pouco. Como dizia outro seleccionador, no futebol passa-se de bestial a besta enquanto o diabo esfrega um olho, e Scolari já era besta antes do castigo de que foi alvo. Que ele tenha um palmarés à frente da selecção portuguesa que mais ninguém tem, é coisa que não interessa — e, quem sabe, mais uma razão para o despachar. O bom treinador será o próximo, seja ele quem for, e tudo se repetirá quando as coisas voltarem a correr mal. Como está mais que demonstrado, a memória, na bola, não conta, ou só conta a parte que nos convém. Vale, por isso, a pena lembrar a evidência: a maioria dos que agora pisam Scolari é a mesma que ainda ontem o venerou. Não que adiante muito lembrar, mas é bom não esquecer. [Originalmente publicado em 20-9-2007]
CEREAL KILLERS. Pondo de parte o vandalismo gratuito, os «amigos do ambiente» distinguem-se do resto dos cidadãos por defenderem causas raramente compreensíveis ao comum dos mortais. A causa dos alimentos geneticamente modificados, que levou uns sujeitos a destruir um hectare de milho no Algarve perante a passividade das autoridades, está longe do consenso na comunidade científica, e a léguas de demonstrar que os transgénicos são um perigo para a saúde. Como se viu pelo episódio de Silves, não é assim que eles pensam. Os sujeitos têm certezas que mais ninguém tem, embora depois metam os pés pelas mãos quando toca a entrar em pormenores. Pior: não respeitam quem não pensa como eles, e não há dúvida de que não hesitariam em impor o pensamento único caso tivessem poder para tal. Há, ainda, factores que não têm em conta, e deviam. Por exemplo, esquecem-se que os transgénicos significam comida que muitos não teriam caso esses produtos não existissem. Aliás, descontando excepções, os «amigos do ambiente» não se cansam de demonstrar que as borboletas são, para eles, mais importantes que o Homem, e quem está a par das actividades que desenvolvem sabe que não exagero. Isto quando não usam a causa do ambiente com outras finalidades, o que não é raro suceder, deixando à vista que a verdadeira razão que os move tem pouco a ver com a causa que dizem defender. Mas nada contra quem defende o ambiente, notem bem. O ambiente necessita de quem o defenda, e há gente séria a fazê-lo que admiro e respeito. O meu problema é que me repugnam actos como o do Algarve, e que as autoridades se demitam de cumprir o que delas se espera. Repugna-me que políticos eleitos simpatizem com práticas destas, pois o gesto desculpa a inércia das forças da ordem e fomenta vandalismos do género. Repugna-me, por último, que os sujeitos ainda tenham o desplante de dizer que só pagarão os prejuízos causados ao agricultor caso o tribunal assim o decida, pois o que fizeram destinou-se a «evitar um mal maior» e, presumo, ainda lhe deviam agradecer. O ministro Jaime Silva garantiu que os «amigos do ambiente» vão pagar por aquilo que fizeram, nomeadamente os prejuízos causados ao agricultor, que cometeu a imprudência de não os receber a tiros de caçadeira. Tenho, porém, fundadas razões para duvidar. Afinal, outro ministro (Rui Pereira) apressou-se a dizer que a GNR «fez exactamente o que deveria», e isto é já um indício de que o caso não tarda em cair no esquecimento e na impunidade. Exagero? Infelizmente, não creio. Práticas passadas demonstram que casos destes terminam dessa maneira, e não se conhecem excepções. [Originalmente publicado em 30-8-2007]
ESQUERDA E DIREITA. Tirando Freitas do Amaral, não conheço uma única pessoa que se tenha mudado da Direita para a Esquerda, embora alguns garantam que Freitas nunca foi de Direita. Falo de quem muda de ideias, não de quem muda por outras razões. Com todo o respeito por Freitas do Amaral, parece-me que mudar da Direita para a Esquerda é como andar de cavalo para burro. Aliás, não será por acaso que se diz que todos vamos ficando mais conservadores à medida que envelhecemos, embora eu prefira dizer que vamos ficando mais pragmáticos — ponto que a Direita tem claramente a seu favor e para o caso de uma coisa não ser sinónimo da outra. O 11 de Setembro de 2001, aliado à circunstância de me encontrar próximo de um dos locais onde ocorreu a carnificina, fez-me regressar à política — ou estar mais atento à política. Como apoiei a invasão do Iraque e não sou anti-americano (coisa rara de se ver na generalidade da Esquerda), acusaram-me de ser de Direita. Reparem que eu digo «acusaram-me», pois foi disso que se tratou. Fiquei a saber que ser de Direita é coisa feia, no mínimo razão para tomarem cuidado com as carteiras. Acontece que eu não sei se sou de Direita. Para ser franco, não sei, nem me interessa. Em política (mas não só em política), sou contra o que acho errado, e a favor do que julgo acertado. Se isso implicar estar ao lado da Esquerda ou contra a Direita, que implique. Se isso significar o contrário, que signifique. Se um governo — qualquer governo — tomar medidas que eu julgar acertadas, aplaudo sem hesitar; se considerar o contrário, critico com a mesma desenvoltura. Seja o governo de Esquerda, seja o governo de Direita, seja o governo o que for. Aliás, estou convencido de que qualquer pessoa medianamente sensata que não milita num partido político (para estes não deve ser fácil conviver com o que discordam) não terá dificuldade em reconhecer boas ideias na Esquerda e boas ideias na Direita, e que a mediocridade está democraticamente distribuída. Como também julgo suceder com a maioria dos que se interessam por política, há muito que a dita se tornou, para mim, um mal necessário. Não porque a considere, em si, uma coisa má, mas porque a prática política e seus protagonistas têm demasiados episódios que me desagradam. Mas, tal como o outro, também acho que a política é um assunto demasiado sério para ser deixado, apenas, nas mãos dos políticos. Não que eu pretenda mudar o Mundo — ou, sequer, a opinião de alguém. Falo de política porque o regime me concede esse direito, porque a política é um assunto que me interessa, e porque sim. Umas vezes estarei à Esquerda, outras à Direita, outras ainda em lado nenhum. Estarei, porém, do lado que julgar acertado, e cada vez mais com a sensação de que sou um privilegiado. Digo bem: um privilegiado. Afinal, quantos se poderão gabar disso? [Originalmente publicado em 12-8-2007]
LEITURAS DE VERÃO. O Verão e a falta de notícias costuma trazer para os jornais assuntos para os quais não há espaço o resto do ano, entre eles os chamados inquéritos de Verão, onde não faltam perguntas do género: «O que vai ler este Verão?» Pressupõe a pergunta que os portugueses aproveitam as férias para ler, actividade para a qual não terão tempo o resto do ano. Como é evidente, não é bem assim. Começo logo por mim, embora sem querer generalizar. As férias constituem o período do ano em que menos leio, e não me parece que eu seja excepção. Primeiro, porque nesse período tudo se conjuga para que eu não tenha tempo e disposição para leituras. Depois, porque as férias são uma espécie de regresso ao estado bruto, isto presumindo que alguma vez saí de lá. Há excepções, naturalmente, mas excepções são isso mesmo — e eu falo da regra. Quem lê nas férias lê o resto do ano, e quem não lê nas férias não lê o resto do ano. O resto não passa de conversa fiada destinada a impressionar os pategos nos tais inquéritos de Verão, e isto partindo do princípio que os pategos lêem os inquéritos de Verão. Aliás, uma vista de olhos pelos locais onde habitualmente se concentram os veraneantes chega e sobeja para constatar a evidência: tirando os tablóides e a imprensa cor-de-rosa, os portugueses não lêem. Quando muito levam para a praia uma «besta célere», mas à terceira página já estão pelos cabelos. Tão certo como dois e dois serem quatro, e não haver regra sem excepção. [Originalmente publicado em 21-7-2007]