O FUTURO DO LIVRO. Percebo o receio sobre o futuro do livro em papel, mas começo a cansar-me dos argumentos contra os meios electrónicos, alegadamente porque os meios electrónicos ameaçam a existência do livro em papel. Utilizo maquinetas de leitura electrónica há mais de uma década e nem por isso diminuiu o meu interesse pelo livro em papel, e não me parece que eu seja um caso único. Até ver, as maquinetas são mais um complemento que uma alternativa, embora às vezes sejam, de facto, uma alternativa, e uma alternativa por ser uma mais-valia. Ao contrário do que se tem dito, as maquinetas de leitura electrónica têm vantagens. Há livros que li no leitor de eBooks que dificilmente teria lido em papel. Umas vezes porque não encontro edições em papel, outras vezes porque as edições em papel são tão antigas que é preciso manuseá-las de modo a não se desconjuntarem, outras ainda porque é mais fácil encontrar edições na internet (de borla) que nas livrarias (a pagar). Li praticamente todo o Eça no leitor de eBooks, bem como quase tudo o que li de Camilo e Machado de Assis. Além destes, tenho a maquineta «carregada» com Euclides da Cunha, Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Charles Dickens, Mark Twain, Charles Darwin, Joseph Conrad, Henry James e outros, quase todos tirados da internet. Não seria fácil desencantar edições em papel de alguns deles, nomeadamente dos lusófonos, muito menos residindo eu, como resido, nos EUA. Mas devo dizer que também eu prefiro o livro em papel (no leitor de eBooks perde-se o livro enquanto objecto, que naturalmente aprecio), que nunca deixei de comprar nem de ler, apesar de os livros em formato electrónico serem mais baratos e, por vezes, mais atraentes (pode-se mudar as fontes e o tamanho das letras, o que não é pouco). Um exemplo entre vários que podia dar: estou a ler a versão inglesa de A Viagem do Beagle no leitor de eBooks apesar de possuir uma edição recente em papel. Razão: o exemplar em papel é demasiado pesado (costumo ler deitado, pelo que o peso faz diferença), e o papel foi de tal modo aproveitado que sou obrigado a forçar a abertura do livro para além do que seria razoável. Como posso lê-lo no leitor de eBooks sem estes inconvenientes, ainda por cima de forma gratuita, por que não haveria de fazê-lo? Podia dar mais exemplos acerca das vantagens do leitor de eBooks sobre os congéneres em papel — vantagens, repito, que não põem em causa o futuro do livro em papel, nem o carinho que tenho por eles. Não que eu não admita que o fim do livro em papel não seja uma possibilidade, mas porque me parece que não será devido às maquinetas de leitura electrónica. Aliás, não deve ser por acaso que a indústria electrónica tenta, há anos, popularizar o leitor de eBooks, até ver sem sucesso. Mas se, um dia, substituírem os livros em papel, não será porque a indústria livreira assim o determinou, mas porque os leitores assim o quiseram. Tal como não foi a indústria musical que ditou o fim dos LPs e, não tarda, dos CDs, mas os consumidores, que perceberam as vantagens dos novos meios — e decidiram mudar. Se assim for, apenas se muda o suporte. O livro, esse, permanece, e isso é que importa. [Originalmente publicado em 1-9-2009]