FORA DE JOGO. Não duvido que o Mundial de Futebol convém ao Governo em funções, e se as coisas correrem bem à selecção portuguesa ainda conviria mais. Mas é preciso ver que o povo anda «anestesiado» durante um mês não porque o Governo fez com que assim sucedesse, mas porque o povo (façamos de conta que é só do povo que se trata) quer que assim seja. Percebe-se que o cenário não convenha à oposição e não agrade a quem gostaria de ver o povo interessar-se por romances de Camilo e óperas de Wagner, mas o povo é mais dado ao futebol e à música do Quim Barreiros — e os «incomodados da bola» até costumam enaltecer a inteligência do dito sempre que há eleições e o povo vota de determinada maneira. Que mal tem o povo alienar-se durante umas semanas e esquecer-se da vidinha? Palavra de honra que não estou a ver. Pelo contrário, até me parece uma prática muito saudável. Ao contrário, destilar ressentimento contra o futebol e seus apoiantes é pouco inteligente e não ajuda a causa anti-futebol, além de demonstrar que alguns intelectuais têm um problema com o futebol sem que se perceba porquê. Dir-me-ão que o problema deles não é o futebol, mas o que consideram excesso de futebol. Acontece que o excesso de futebol é, para eles, tudo o que desvie a atenção do que julgam importante, pelo que qualquer dose é excessiva. Curiosamente, os países ditos civilizados, precisamente os países que eles não se cansam de apontar como exemplos a seguir, têm, sobre o futebol, mais ou menos o mesmo comportamento que os portugueses, e nem por isso deixam de ser civilizados. Como não deixam de ser civilizados os intelectuais que, em Portugal e fora dele, não vêem o futebol como coisa de selvagens, e também não me consta que o entusiasmo de alguns lhes abale a respeitabilidade. [Originalmente publicado em 1-6-2010]