FADOS E GUITARRADAS. Volta e meia criticam-me o escasso entusiasmo pelo fado, nos melhores casos alertando-me para uma deficiência, nos piores insultando-me. Dizem-me que o fado é isto e aquilo, que são precisos não sei que conhecimentos que eu não terei para o apreciar como deve ser apreciado, embora jamais me tenham explicado que conhecimentos são esses, e de que forma o fado deve ser apreciado. De tanto ter dado para este peditório, geralmente acolho as críticas com um encolher de ombros, e raramente me dou ao trabalho de argumentar. Mas há uma coisa que me tem esquecido de dizer, e que não perdeu pela demora: de um modo geral, os entusiastas do fado não apreciam música, ou só apreciam aquela música que geralmente se designa com adjectivos pitorescos que me dispenso de enunciar. Bem sei que há apreciadores de fado que gostam de música, e eu próprio conheço alguns casos. Mas falo da regra, e a regra parece-me esta. A não ser que os fundamentalistas me tenham calhado todos a mim (castigo divino, dirão alguns), mas acho pouco provável. Digo fundamentalistas porque é de fundamentalistas que se trata, pois genuflectem com uma facilidade espantosa sempre que falam de fado, e quando se fala de outras músicas são surdos que nem portas — ou só têm ouvidos para cantigas de que é melhor nem falar. Não é uma opinião, é um facto. Um facto que eu, como apreciador de música, sou o primeiro a lamentar, e não estou a ironizar. Um fundamentalista é basicamente um cego ou um surdo (ou as duas coisas), e cegos e surdos só me merecem respeito os que o são de facto. Cegueira por recusa de ver ou surdez por recusa de ouvir, causam-me pena nos melhores casos, e desprezo em todos os outros. Escusado será dizer que a nenhum deles reconheço autoridade para me dar lições de música, ou do que quer que seja. [Originalmente publicado em 11-12-2009]