ESCREVEDORES & PUBLICANTES. Provavelmente acharão um exagero se eu disser que resido e trabalho numa área onde há mais escritores que leitores, mesmo que pretenda fazer uma caricatura, por natureza um exagero. Partindo do pressuposto que um escritor também é um leitor (Vila-Matas escreveu que um escritor é um leitor que escreve), facilmente se conclui que haverá, pelo menos, tantos leitores como escritores, pelo que a caricatura pecaria, neste caso, por defeito. Infelizmente não exagero, nem pretendo fazer uma caricatura. Por incrível que pareça, conheço escrevedores que se gabam de nunca terem lido um livro, geralmente por falta de tempo (um clássico), de paciência, ou as duas coisas. Falo, portanto, de casos concretos, e partindo levianamente do princípio que um escritor é todo o indivíduo que publica, pelo menos, um livro de poesia ou de ficção, como por aqui se consideram os publicantes de um modo geral. Vi não sei onde um cartoon em que um leitor gatafunhava dedicatórias nos livros de uma fila de escritores, precisamente o inverso do que se vê no lançamento de livros. Se ali havia um exagero, aqui não há exagero. Mas não julguem que tenho um problema com os publicantes, que a circunstância de acharem o livro um objecto respeitável já não é mau. Lamento, apenas, que não passem daí, que não comecem a ler uns livritos, mesmo os que não se recomendam. Podia ser que um dia publicassem prosa legível ou poesia em que a bota não se limita a rimar com a perdigota, que a leitura naturalmente vai exigindo que se faça melhor. Ainda há pouco um argentino (Abelardo Castillo) dizia que «um escritor que não tenha lido não existe, não é escritor». Infelizmente, só é evidente para quem lê. [Originalmente publicado em 22-10-2010]