O DESCALABRO. A Justiça portuguesa chegou a um ponto em que já ninguém se espanta com nada. Não houve, nos últimos tempos, um único caso mediático em que a Justiça se tenha saído bem, e quando a Justiça não é capaz de fazer bem quando todos os olhos estão postos nela imagina-se o que sucede quando os casos que tem em mãos não são notícia. A Justiça não é capaz de punir o crime mais evidente quando os arguidos são «importantes». Pior: não absolve quem está inocente, deixando no ar um clima de suspeição generalizada que a todos condena. Ele é a Casa Pia que se arrasta há séculos e não tem fim à vista; ele é o caso McCann que nos envergonha lá fora e nada resolve cá dentro; ele é o caso Joana que levanta dúvidas acerca dos métodos utilizados pelos investigadores; ele é o Apito Dourado que vai dar em nada; ele é o caso Bexiga em que a polícia não fez o que devia e ainda ameaça a vítima; ele é Isaltino que quer decidir quem deve julgá-lo; ele é a dona Fátima que já viu prescreverem vários crimes de que foi acusada. Como não bastasse, os agentes da Justiça não se coíbem de vir à praça pública falar mal uns dos outros, opinar sobre penaltis, e alimentar uma guerra paroquial que ninguém entende. Claro que as cadeias estão cheias de gente, o que sempre dá a ideia de que a Justiça funciona — embora, é claro, não se possa medir a eficácia da Justiça pela quantidade de gente que mete na cadeia. Funciona, claro está, para os pequenos, para quem não pode escapar-lhe, mas funciona. Tal como funciona a cobrança dos impostos para quem não pode fugir-lhes, que aqui a Justiça sempre demonstrou uma extraordinária eficácia. Quem viu o Prós e Contras onde o assunto foi discutido só pode concluir uma coisa: a Justiça está pior do que se imaginava. Basta, aliás pegar nas mais recentes declarações de alguns dos seus protagonistas. Por exemplo, nas palavras do advogado Ricardo Bexiga, que diz que a Justiça só funciona com os pequenos. Nas palavras de Moita Flores, que diz que a Judiciária está num caos. Nas palavras do presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, que diz que a PJ «está paralisada». Nas palavras do director-adjunto da Judiciária do Porto, que diz que «a justiça não funciona neste País». Como vêem, não estou a inventar nada. E, se eles o dizem, quem sou eu para duvidar? [Originalmente publicado em 1-4-2008]