MORRER SAUDÁVEL. Após aturadas pesquisas, descobri, finalmente, um local onde vendem alheiras como lá da terra, e não exagero quando digo como lá da terra. (Aliás, não exagero se disser que são mais saborosas que algumas lá da terra, incluindo a terra delas (Mirandela), onde as alheiras nem sempre fazem jus à fama que têm.) Isto a propósito da recente Feira do Fumeiro de Montalegre, cujas notícias não foram animadoras. Segundo os jornais, regras mais apertadas sobre as condições de comercialização e fabrico de enchidos e produtos afins afastaram, este ano, seis dezenas de produtores de fumeiro, alegando os ausentes que a escassa produção não compensa o registo nas Finanças. Depois, as novas regras não permitem que os porcos sejam abatidos de forma tradicional, coisa que, no mínimo, aumenta os custos (transporte dos animais até ao matadouro, abate, etc.). Por último, a autoridade que fiscaliza estas coisas — a ASAE — já demonstrou que está aí para nos salvar, queiramos ou não, e é tal o zelo com que actua que chega a usar «tácticas paramilitares» ministradas por «agentes dos serviços secretos portugueses» e «forças especiais norte-americanas» (Expresso de 12.01.2008). Temos, assim, que o fumeiro artesanal tem os dias contados, e a contagem decrescente já começou. Aliás, já começou a contagem decrescente das colheres de pau, das bolas-de-berlim, do arroz de cabidela, da sopa de pedra, dos cogumelos selvagens, do cozido à portuguesa, dos biscoitos feitos lá em casa, e do mais que se imagina. A não ser, diz quem manda, que tudo esteja dentro das normas, como se os produtos artesanais não se distinguissem dos outros precisamente por não estarem dentro das normas. Resta aguardar pelos restaurantes onde se possa comer pratinhos de dobrada e outras coisas «que fazem mal», se é que já não há. Evidentemente que longe da vista das autoridades e de vigilante à porta, como no tempo da outra senhora, apesar de a recente lei do tabaco relembrar que a bufaria não se extinguiu com a outra senhora. Sou, como vêem, dos que prefere morrer devido às «comidas que fazem mal» a morrer cheio de saúde, e o risco de ser «apanhado» a degustar uma cabidela (sorrio só de imaginar) é o preço a pagar. Prometo, por isso, prevaricar até onde for possível, e desde já agradeço que me avisem mal saibam de lugares onde se possa pecar. É que ele há prazeres (aqui está uma palavra a banir dos dicionários) de que não estou disposto a abdicar, e suspeito que não deve haver pior que morrer saudável. [Originalmente publicado em 18-1-2008]