DESACORDO ORTOGRÁFICO. Independentemente das razões que possa haver para trocar «húmido» por «úmido» ou «facto» por «fato», o que eu gostaria de ver discutido é a necessidade de um acordo ortográfico. Unificar a língua portuguesa porquê? O embaixador Seixas da Costa defendeu, há pouco, que a harmonização ortográfica irá garantir «que da expressão diversa do português não possa vir a decorrer, a prazo, um indesejável processo de ruptura comunicacional». Ora, não vejo como. É que, a verificar-se o pressuposto, como conseguimos comunicar durante tantos anos sem um acordo ortográfico? Que obstáculos terão existido no passado que se revelaram intransponíveis? Não, não quero com isto dizer que não haja razões substanciais para se defender um acordo ortográfico. Quero dizer, apenas, que nunca as vi, e não tenho andado propriamente distraído. Gostaria, por isso, que o assunto fosse discutido como deve ser discutido, e não só por especialistas. É que eu estou pronto a render-me às evidências, mas quero certificar-me que as há. Também não acho que os portugueses são os donos da língua, e o facto de o acordo resultar em mais mudanças em Portugal que no Brasil (3% em Portugal contra 0,45% no Brasil, ao que dizem) não me perturba. O meu ponto, insisto, é que ainda não vi a necessidade de um acordo ortográfico, nem para Portugal, nem para os restantes países por ele abrangidos. Claro que, a avaliar pelo silêncio que por aí vai, nomeadamente o silêncio de quem se esperaria que dissesse alguma coisa (escritores, professores, fazedores de opinião, etc.), não adianta pedir uma discussão, pois já se viu que o acordo ortográfico é um assunto tabu. Razão tem a ministra da Cultura em pedir uma moratória de 10 anos para que Portugal tenha tempo de se adaptar às novas regras. É que, assim, evitam-se embaraços, e pode ser que daqui a 10 anos já ninguém se lembre do que foi acordado. Afinal, já lá vão 17 anos que o acordo foi aprovado sem que nada — ou quase nada — se tenha feito para o cumprir, e ainda não deixámos de falar uns com os outros ou de nos lermos uns aos outros. [Originalmente publicado em 16-11-2007]