DA LIBERDADE. Como seria de esperar, as declarações do cardeal-patriarca de Lisboa a propósito do casamento entre cristãos e muçulmanos deram azo a reacções da malta do costume, pelas razões do costume. Segundo eles, D. José Policarpo foi longe de mais, pois não devia generalizar situações que estarão longe de se poderem generalizar. Curiosamente, a questão da mulher no Islão, mais precisamente a falta de liberdade da mulher no Islão e a violência a que é sujeita, nunca lhes mereceu o mais leve reparo. Avisar as católicas para o «monte de sarilhos» a que poderão estar sujeitas caso decidam casar com muçulmanos, como fez o cardeal Policarpo, é, para eles, inaceitável. Mas já é aceitável a violência sobre as mulheres muçulmanas, sobre a qual nunca se pronunciam a pretexto de que a cultura delas é assim, e há que respeitar a cultura delas. Caí na asneira de criticar Bento XVI por causa de um discurso que ele proferiu numa universidade alemã (considerei então que o Papa fez uma provocação desnecessária aos muçulmanos), mas não volto a cair noutra. Digo asneira porque o Papa não deve inibir-se de dizer o que pensa por receio de consequências, pois do Papa espera-se que diga o que pensa — e a regra aplica-se, naturalmente, ao cardeal Policarpo. Sobretudo quando estão em causa os valores da cultura ocidental (a nossa), que não caíram propriamente do céu, e que ficam em causa sempre que nos calamos perante situações que requerem denúncia, que nos rendemos ao politicamente correcto, que pedimos desculpa por existir. Como, aliás, muito bem demonstrou o episódio dos cartoons publicados por um jornal dinamarquês, que deu no que deu e causou mais estragos à liberdade de expressão do que possa parecer. Ceder em valores que temos por essenciais, é abrir caminho para nos exigirem ainda mais. Como diz o ditado, quanto mais a gente se abaixa, mais se vê o rabo. Escusado será dizer o que virá a seguir se entrarmos por esse caminho. [Originalmente publicado em 28-1-2009]