BATER NO CEGUINHO. Confesso que já não tenho paciência para essa de que os políticos são mal pagos. Se é verdade que os políticos são mal pagos (e não me custa reconhecer que, em alguns casos, são mal pagos), por que razão são mais que as mães os candidatos aos cargos políticos? Por que razão, por exemplo, há tanta polémica à volta da constituição das listas de candidatos a deputados sempre que há eleições legislativas? Não, não acho que esteja a ser demagógico ou populista, que a realidade está aí para o demonstrar. Dir-me-ão que na política a escassa remuneração afasta os melhores. Responderei que não há regra sem excepção. Também não me custa admitir que o Estado pudesse melhorar o seu desempenho em algumas áreas caso elas fossem tuteladas por técnicos de primeira auferindo ordenados de primeira, e até já houve casos que o demonstraram. Mas, insisto, é da regra que falo. A política é uma missão e não um emprego, pressupondo sacrifícios pessoais e materiais a quem nela se mete. Ganhar menos que noutra actividade, mesmo bastante menos, parece-me normal — e pedagógico. Auferir salários equivalentes aos privados seria, isso sim, obsceno. Há, ainda, outro factor a ter em conta, tão ou mais importante que os salários. Os cargos políticos abrem portas que, mais tarde, se revelam preciosas, e se traduzem em mais-valias em proveito próprio. Daí que volte à pergunta: por que são tantos os candidatos aos cargos políticos quando se diz que são tão mal pagos? A resposta não é tão simples como parece, evidentemente. Mas certamente que a questão da remuneração não é um problema. Assim sendo, convém não bater mais no ceguinho, até porque o ceguinho não é cego de todo. [Originalmente publicado em 11-2-2008]